TANTOS CORAÇÕES VAGABUNDOS
Rangel Alves da Costa*
Talvez somente a ciência amorosa possa explicar porque quanto mais possuem corações vagabundos, sempre amolados para ferir e cheios de ingratidão, mais os seus donos são amados, queridos e adorados.
Um coração vagabundo é, por definição, aquele que fere e sabe ferir sem causar danos irremediáveis; é aquele que ama mais do que o outro, porém finge não amar e tudo faz para demonstrar isso, ferindo a pessoa amada, magoando e maltratando quem tanto se quer; é aquele coração imenso, amoroso e apaixonado, mas que tem por vocação optar sempre pelos fingimentos.
As pessoas portadoras desses corações tão vagabundos possuem características diferenciadas. Elas optam pela malandragem sadia como opção de vida, não levando nada a sério e procurando sempre minimizar o sentimento do outro; são extremamente alegres e contentes, talvez como arma para mostrar que tudo está sempre bem e que não está nem aí para o pior que esteja acontecendo; possuem um papo de dispersar montanha e todas as palavras que dizem parecem carregadas de ironia e de insensatez.
O dono ou a dona do coração vagabundo faz chegar ao ouvido do seu bem amado que está flertando em outras praias, que possui olhar para outras paisagens e que, por isso mesmo, tenha muito cuidado para não perdê-lo. Na verdade, o que realmente quer é sentir a pessoa saindo de si, nervosa e preocupada, de modo que faça o seu circo procurando torná-la cada vez mais dependente de si.
A mentira, não como hábito negativo, mas por opção de joguete, é sempre utilizada pelo coração vagabundo para manipular, reverter situações ou criar situações inexistentes. Diz que vai viajar e pede a alguém que vá dizer à sua amada que estava no shopping mais que bem acompanhado, conversando baixinho no ouvido e até trocando ligeiras carícias.
Diz que não comprou o presente de aniversário porque esqueceu o perfume que ela gosta, a cor preferida de roupa, o livro que ela disse que queria tanto ler. Quando a outra se irrita, então ele entrega, com beijos, tudo de uma vez só. Quando ela fica totalmente desarmada, sem jeito de dar negativas, chega então o momento dele deitar e rolar.
Os corações vagabundos premeditam fazer coisas que não desejam somente para causar raiva e ciúmes nos outros. Chegam ao encontro com cheiro estranho de perfume, com a gola da camisa manchada de batom, com um bilhetinho anônimo e suspeito guardado na carteira, ouvindo uma música e dizendo que ela lhe traz grandes recordações. Sempre procuram esconder o celular ou fingem que estão apagando mensagens apressadamente. Colocam na carteira sempre camisinhas de marca diferente que é pra ela logo imaginar que ele só possa estar fazendo muito uso delas. E não é com ela...
Os donos e donas dessa praga vagabunda que se alastra incontidamente fazem o muito de besteiras sem ao menos atinar para as consequencias. Cada ato e cada passo é como se fosse buscando uma motivação diferente para causar impressão na outra pessoa. Na verdade, é uma estratégia para chamar a atenção e tentar mostrar que são mais espertos e perigosos do que se possa imaginar. Contudo, quase sempre o feitiço cai por cima do feiticeiro.
Coitados desses corações e dos seus vagabundos, coitadas dessas armas e armadilhas que sempre aprisionam os próprios caçadores. Logo se percebe que os que agem assim não sabem fazer nada de outro modo para mostrar que são apaixonados, amantes demais, porém carentes demais da certeza que o outro compartilha desse amor. É como se houvesse um grito em tudo que fizessem dizendo que olhe para mim, cuide de mim, me sinto muito sozinho, te amo muito e não posso viver sem ti.
Assim, de repente os corações vagabundos são encontrados chorando desesperadamente porque se sentem sozinhos, rejeitados, não compreendidos e pouco amados. E como lobos desesperados procuram as montanhas das suas noites para uivar suas lamentações. Pobres desses corações vagabundos, tão espertos e tão carentes.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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