INVENTOS UTÓPICOS PARA UM MUNDO REAL
Rangel Alves da Costa*
Torquato, velho amigo de não sei de onde, sempre foi crítico da inutilidade da maioria das invenções. Segundo ele, antes de se pensar em inventar alguma coisa para vender, para simplesmente dar lucro, as pessoas deveriam pensar em inventos que fossem para utilidade sentimental e espiritual do próprio ser humano.
E não se cansa em dizer que quem inventou o veneno deveria ter inventado o antídoto exato; quem inventou o projétil deveria ter inventado o escudo; quem inventou a lâmina deveria ter inventado a couraça; quem inventou a arma deveria primeiro ter testado nele mesmo; quem inventou a prisão deveria ter inventado outra polícia; quem inventou a sentença deveria ter inventado a existência de um parente do outro lado.
Contudo, verdade é que ele nem gostava de comentar muito sobre os inventos totalmente desnecessários, segundo dizia. Adepto de uma vida baseada no direito natural, dizia que o ser humano deveria ter como bases de conduta aquelas ações consideradas como validamente corretas pelos povos, sem imposição alguma para terem validade e cuja lei maior seria o homem na sua conduta moral e perante suas mais positivas virtudes.
Indignado com tantas e absurdas invenções, ora colocando o pescoço do homem na guilhotina, ora criando pureza na espécie com base na cor da pele, ou ainda a arma de destruição que tem o poder de matar uma nação inteira com um só ataque, cismou com isso tudo. E disse que qualquer dia iria para o seu quintal e lá, debaixo do pé de goiabeira, começaria a criar aquilo que o homem cada vez mais necessita e nunca teve tempo de inventar.
Inventar mecanismos sensoriais na atividade humana, de modo que certas palavras sejam automaticamente pronunciadas, sem que o homem tenha de lembrar que elas existem, e adequadas segundo cada situação. E das palavras constantes desse mecanismo estariam, por exemplo, obrigado, boa tarde, bom dia, boa noite, como vai, muita saúde e muita paz. Mas principalmente eu te amo, gosto de você, você me faz bem.
Inventar um mecanismo possibilitando que o olhar possua os mesmos sentimentos que o coração. Se tudo primeiro é sentido pelo coração, que automaticamente dispara expressões de repulsa, dor, revolta, amor, aflição, tristeza, angústia ou alegria, o mesmo poder passaria a ter o olhar. Assim, não precisaria que os olhos primeiro vissem para depois o coração ser consultado, pois o próprio olhar já se indignaria ou sorriria com a situação observada. A dor, o grito, o pavor, a gargalhada, tudo seria tão imediato quanto necessário.
Inventar mecanismos capazes de impedir que pessoas desonestas, corruptas, indignas, canalhas, covardes, fofoqueiras e de outras péssimas virtudes, ao menos se aproximem de pessoas honestas, honradas, de boas condutas. Seria como um mecanismo de repulsa. Quando o mau-caráter tencionasse se aproximar da pessoa de bem, uma força de retração impediria o passo e quanto mais ele tentasse avançar mais seria forçado a recuar.
Inventar um espelho que fique sempre diante da pessoa, mas que seja invisível perante os outros. A cada ação, boa ou má, que seja realizada pelo indivíduo, automaticamente esse espelho surgirá à sua frente e este terá que se enxergar e refletir sobre o estado de sua face. O intuito maior desse invento é fazer com que certos indivíduos tenham de se olhar depois de, por exemplo, ferir gratuitamente o outro pela palavra, matar, roubar, cometer injustiças.
Inventar outra pessoa igualzinha aquela que está vivendo e deixá-la sempre em prontidão para tomar o lugar daquela que não está satisfeita com a vida que tem, que não se reconhece enquanto ser humano, que não valoriza sua situação de pessoa, que seja uma verdadeira vergonha para si mesma e para a sociedade. Contudo, assim que a aquela que foi substituída se reconheça e se valorize terá a chance de retornar, até um dia que não tenha jeito mesmo. Porque tem gente que é assim: só sabe viver se for no erro, errando, errado.
Por fim, inventaria a morte como esquecimento. As pessoas morreriam e não deixariam tantas marcas de dor, tristeza e sofrimento.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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