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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 5 de abril de 2011

MINHA ROUPA NOVA (Crônica)

MINHA ROUPA NOVA

Rangel Alves da Costa*


Nunca mais comprei roupa nova. Tudo tá muito caro e não tenho dinheiro não. Minha roupa nova é muito velha, pois tem muito tempo que ganhei e nunca vesti, esperando o melhor momento que nunca chegou. Por isso que minha roupa nova já é velha, mas ainda é roupa nova.
Ganhei de uma tia minha, coisa mais linda na época, acho que coisa de moda, do tipo que todo muito gosta de vestir pra dizer que tá na onda, que é bonito e faceiro. Mas nunca usei não, mas sempre deixei passadinha para a ocasião mais propícia, sempre achando que chegaria logo.
Prometi que usaria quando arrumasse uma namorada. Na primeira vez que marcasse encontro com ela na pracinha, pra de lá ir diretamente ao cinema, iria todo pronto e cheiroso pra logo impressionar.
Menina gosta de menino arrumado, estava certo em pensar isso, mas nunca imaginei que ninguém jamais marcasse comigo na pracinha, quisesse ir ver um filme, nem que achasse que eu era bonito. Por mais que eu tentasse nunca consegui vestir a roupa nova nesse objetivo.
Quem sabe num dia festa na cidade, comemoração da padroeira, folguedo da emancipação política, qualquer data comemorativa. Sempre fazia planos, até colocava mais naftalina no guarda-roupa pra roupa nova ficar sempre cheirosa. Contudo, sempre na véspera ou até mesmo no dia achava a roupa bonita demais para usar assim, de repente, e sempre adiava a inauguração.
Minha mãe me perguntava o que eu estava esperando para vestir a bendita roupa nova. E afirmava que oportunidade não faltava, pois tinha festa demais no final do ano e eu bem que podia finalmente usá-la no dia de natal ou na passagem de ano. Achei uma excelente ideia, pois gostava demais das festas de fim de ano, sempre um pouco mais tristonhas, porém sempre mais humanas e com pessoas mais compreensivas e amigas.
Tudo bem, eu disse a ela. Naquele dia 24, véspera de natal, mas o dia em que realmente todos se vestiam bem para comemorar, participar das ceias e dos bailes, enfim eu vestiria aquela surpresa escondida a sete chaves aos olhos das mocinhas do lugar.
Não tinha dúvida que elas iriam se encantar quando me vissem todo perfumado, com os cabelos comportadamente na brilhantina e de roupa nova, principalmente roupa nova e bonita. Seria a grande chance de arranjar uma namorada bem bonita, até mesmo escolher entre duas ou três que já estava olhando diferente há certo tempo.
Quase não durmo na véspera do dia que enfim ia vestir a roupa nova. Foi um dia inteirinho de expectativa, no maior anseio para que chegasse logo o momento de tomar banho e depois começar a colocar peça por peça, ou seja, a calça e a camisa.
Um pouco mais cedo lembrei à minha mãe que não esquecesse de passar ferro cuidadosamente na roupa, com um pouco de goma, que era pra ela ficar bem certinha e marcada no lugar certo e sem um amasso sequer. E assim foi feito. Tomei banho, me enxuguei rapidamente, tranquei a porta do quarto e comecei o tão esperado ritual.
Contudo, assim que vesti a calça percebi que ela estava curta demais. Quando ganhei o presente havia experimentado e ficava maravilhosamente bem, mas agora, passado esse tempo de veste não veste, acabei crescendo e o pano parece que encurtando. Se soltasse o pano da bainha ficava feio, amassado e desproporcional. Então tudo teve que ser adiado.
Mesmo triste em não poder usar a roupa nova naquele dia, minha mãe disse que daria tempo suficiente para reformar toda a roupa para ser vestida na passagem de ano. Assim, vesti tudo, ela olhou de cima a baixo, mediu, fez cálculos e disse que ela estaria um brinco no dia que eu fosse vestir. E no outro dia tudo ficou realmente pronto, impecável, pois experimentei tudo novamente e nenhum pedaço de pano ficou faltando ou em demasia.
Chegado o dia 31 de dezembro, passagem de ano, a cidade em festa, e lá vou eu para o meu banho, doido pra vestir logo a roupa mais linda do mundo. Minha mãe havia saído para a igreja e então eu fiquei tranquilamente no quarto passando brilhantina, jogando perfume pelo corpo, dando uma um último retoque no sapato, ajeitando uma coisa e outra. Depois vesti a roupa e me olhei no espelho. A mais pura perfeição, pensei.
Tinha a certeza que já estava pronto para arrumar quantas namoradas quisesse. Porém, ao sair do quarto e olhar o relógio na parede já passava de uma hora da manhã. Olhei pela janela e enxerguei a praça completamente deserta e apenas sons que vinham dos cantos na igreja.
Enraivecido comigo mesmo, tirei a roupa e fui dormir. E até hoje a roupa nova vive adormecida no guarda-roupa.





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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