TUDO JÁ NASCE MORRENDO
Rangel Alves da Costa*
Por mais que seja doloroso afirmar, não há plenitude nem integralidade da vida; não há nenhum organismo perfeitamente saudável; não há vida que mantenha a mesma saúde de um segundo atrás; não há nenhum corpo em completa perfeição; não há nada, nenhum tipo de vida, que não esteja morrendo a cada instante na pessoa que se sente cheia de vida e exasperando saúde. Na verdade, como afirmado acima, tudo já nasce morrendo.
Logo nos primeiros momentos de vida, a criança começa a perder um pouco de sua substância vital, do seu todo perfeito e original, quando é separado da mãe, quando há o corte do cordão umbilical que ligava o bebê à placenta da mãe, e o sangue começa a jorrar e chegam os primeiros gritos de dor.
Daí em diante, mesmo que a criança aos olhos de todos esteja saudável, o funcionamento do seu organismo começa a agir de tal forma que não há nenhum esforço que conduza ao crescimento que não produza deterioração de outros órgãos essenciais do corpo. Tudo é visivelmente perfeito, mas internamente tudo vai se modificando e sendo cada vez mais fragilizado.
A chuva que desce da nuvem já vem ganhando impurezas pelo ar e a cada pingo que cai já não é a mesma chuva que nasceu e jamais será a partir do instante que começa a se acumular. A água pura, incolor, nova e saudável já está contaminada por microorganismos que a tornam doentia, imprestável, imprópria para o consumo.
A planta que nasce, por mais verdejante e viçosa que seja, nada mais é do que um pequeno ser doentio que precisa de todos os cuidados para poder crescer e sobreviver. Água demais lhe é prejudicial, sol em demasia também; contudo não pode viver sem água nem sol, mas tudo na medida certa. Alguma coincidência com o ser humano?
Assim que a flor desabrocha e a pétala se estende, linda e encantadora, já está com os instantes, as horas, os dias contados para sobreviver. Mais uma vez passa a depender dos cuidados humanos, da predisposição da natureza, do seu ciclo vital próprio. E cada vez que o jardineiro corta o galho para recolher a flor e formar o buquê, já está selando de morte aquilo que ainda parece maravilhosamente encantador.
E quando o namorado presenteia a amada com um lindo ramalhete não estará lhe oferecendo nada mais do que flores que da vida só possuem a cor e ainda alguma rigidez. De repente, tudo começa a perder a cor, a murchar, cair, apenas confirmar a morte há muito existente. Aquilo que ontem chegou acompanhado de um lindo cartão com palavras de amor, ainda que passe a sobreviver em jarros com água, somente permanecerá no simbolismo que as flores provocam nos sentimentos.
A noite viva, voraz e assustadora, tão temida e tão amada, vai perdendo sua cor e seu encanto ainda nos braços da madrugada, que nunca existiu, pois não sabe se é ainda um último suspiro da noite ou o primeiro canto do alvorecer. E vem a manhã, com seu brilho de esperança, logo tomado pelo sol que lhe toma de vez a vida ao meio dia.
E é quando começa a tarde para morrer aos poucos, para transformar a luz em entristecimento e novamente morrer nos braços da noite. E assim tudo já vai nascendo com um lamento de despedida, com um gesto de partida porque o novo virá para o seu breve ciclo, para morrer novamente.
Em muitas ocasiões, diante de determinadas situações, até a morte se antecipa ao próprio ato de morrer. Fechar os olhos é apenas um gesto final de um organismo que não mais respondia ao corpo, de um corpo que não mais respondia à vida. E quando se diz que morreu já é morte velha e antiga, pois a dor da saudade já havia começado a ser chorada bem antes.
Assim, nada é tão firme e vivaz como visto e imaginado; sobre nada pode ser dito que é plenamente vida. Até o amor, que é tudo ao nascer, já não é mais o mesmo quando o outro está conquistado.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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