*Rangel Alves da Costa
Só que “Preá”
era o apelido dado ao coronel Tibúrcio. Aí foi que foi a gota serena.
Dentão, o
mais feioso e malvado dos jagunços, ao receber a bala de ouro logo pensou que
era coisa de engolir.
Só não
mastigou porque o coronel Leocádio adentrou na varanda logo dizendo: “Vou
cuspir. E antes que o cuspe seque eu quero a orelha do desgraçado jogada no
lugar da cusparada. Chispa daqui e vá logo matar Preá”.
Noite de
lua cheia, pelas matas os sons de estranhos uivos, o jagunço ficava ainda mais
zoiúdo tentando avistar a passagem do coronel Tibúrcio, o famoso Preá.
Era
certeza ele passar por ali, pois de volta da casa de Joaninha Boca de Mel, uma
rapariga mantida nas redondezas.
Mas
naquela noite o coronel não passaria por ali de jeito nenhum. E não faria normalmente
aquele caminho porque era exatamente a noite de ele virar lobisomem.
Sim, o
coronel virava lobisomem. Dentão, o jagunço, esperou e mais esperou e nada de
Preá passar.
E começou a matutar, já pensando na desgraceira que iria acontecer se não levasse a orelha do inimigo maior do patrão.
“Essa hora
o cuspe já secou. E se secou o coroné vai querer disforrá em riba deu”. Sentiu
a orelha queimando, passou a mão, e era como se a sentisse sendo arrancada a
canivete.
“Danou-se.
O coroné vai querê cortá minha oreia, mais isso num vai não”. Disse a si mesmo,
já revirando de raiva por dentro.
Como o dia
já clareava, resolveu voltar e enfrentar o que viesse pela frente. Antes de
sair do meio do tufo de mato, apontou a arma a um lugar qualquer e apertou o
gatilho, só não pra não perder de vez a viagem.
Mas a bala
viajou até acertar bem na testa de um homem que acabava de desvirar lobisomem.
Era o coronel Tibúrcio. O jagunço matou Preá sem saber que assim tinha feito.
Sem sequer
imaginar que o inimigo do patrão acabava de virar finado, e assim minimizar seu
problema com o cuspe já seco, assim que adentrou a porteira logo avistou o
coronel Leocádio virado na peste, raivoso que só a moléstia, em tempo de
estrebuchar de tanta raivice.
E
gritando: “Trouxe a orelha do safado?”. Então o jagunço simplesmente respondeu:
“Truxe”.
E apontou
outra arma em sua direção e apertou o gatilho. Assim que abriu a boca pelo
espanto do tiro recebido, o coronel engoliu o charuto aceso e emborcou pelo
chão fumaçando, e bem em cima da marca da cusparada.
Depois
disso, o jagunço fez de conta que nada tinha acontecido e saiu assoviando.
Não sabia,
contudo, que havia matado dois coronéis numa empreitada só, e terminado, assim,
uma das faces mais perversas do coronelismo nordestino.
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