SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 30 de maio de 2021

Palavra Solta - quando chove


*Rangel Alves da Costa

  

Quando chove, ah quando chove! Eu sou nuvem prenhe, nuvem cuspindo longe, nuvem em alvoroço, um rio que corre, um mar que transborda. Quando chove eu sinto o livro revirar a página, jogar longe os escritos ressequidos e encharcar de esperanças as suas folhas. Quando chove eu leio na vidraça o que jamais consigo em tempos de sol. E tudo me diz da nostalgia, da saudade, do desejo de ter novamente. Quando chove eu me torno criança novamente, afloram-me os desejos de nudez e de sair correndo por aí por cima das poças d’água. Quando chove eu me deixo molhar por dentro e por fora. As nascentes da alma logo se tornam em leitos correntes, ávidos, impulsivos, em busca de novos destinos. Meu corpo banhado, inteiramente respingando o instante, deixa-se ser apenas ele na fria e gelidez que tanto me faz querer ser abraçado e protegido. Quando chove eu sempre choro e entristeço, eu sempre silencio e esmoreço. Não que a chuva seja ruim ou que causa aflição, mas por que as águas se derramam sobre velhos baús e então tenho que reler as velhas cartas de um passado. Da janela entreaberta eu olho cada pingo que vai caindo. Abro a porta e me deixo levar na correnteza. Não sei se durmo ou se sonho. Só sei que lá fora a chuva cai.

 

Escritor


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