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segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A CANÇÃO DA MINHA ALDEIA (Crônica)

A CANÇÃO DA MINHA ALDEIA

                                                  Rangel Alves da Costa*


Certa vez eu li um lindo poema de Fernando Pessoa, onde ele diz:
“O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia/ Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia/ Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.../ Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia/ E para onde ele vai e donde ele vem/ E por isso porque pertence a menos gente/ É mais livre e maior o rio da minha aldeia.../ Ninguém nunca pensou no que há para além/ Do rio da minha aldeia/ O rio da minha aldeia não faz pensar em nada/ Quem está ao pé dele está só ao pé dele”.
Apenas fragmentos do poema, mas contendo as passagens mais marcantes dessa comparação amorosa, essa metáfora grandiosa, onde o poeta simplesmente diz que se deve amar aquilo que se possui acima de tudo, deve-se admirar e preservar aquilo que é nosso e vive conosco, mesmo que mais adiante ou ao redor esteja um presente muito mais valioso.
Digo isso porque também tenho a minha aldeia, moro na minha aldeia, convivo com a minha aldeia e faço dela, e sou correspondido, tudo em minha vida. E ela também está bem próxima a um mundo cheio de promessas maravilhosas, como o Tejo do poema, mas que nem se compara com o bucolismo fraternal que possui, nem se aproxima da simplicidade cativante que é próprio dela.
No outro lado há um mundo, e do lado de cá da porta há o mundo da minha aldeia. Quando atravesso a porta e me vejo no bosque circundante à minha aldeia, não ouço mais o barulho dos carros, os gritos e gritarias, os sons próprios da violência, porque não tenho tempo de pensar nem de sentir outra coisa que não seja a vida na minha aldeia.
Quando fecho a porta e caminho pelas veredas do meu admirável mundo, celebro a vida como se o dom divino me desse na terra um pedaço do paraíso. E fico pensando porque as outras pessoas também não procuram viver na aldeia que podem ter bem dentro do seu mundo, ainda que conflitante e aflitivo. Todo mundo pode morar numa aldeia, viver sua aldeia, fazer dessa paisagem o contentamento com as coisas boas que existem na vida.
Insisto em dizer que ainda estando aqui, ao lado do seu muro ou à sua frente, moro no meio do mato, bem dentro da natureza em flor, no mais lindo e aconchegante lugar que alguém poderia encontrar para sobreviver, pois sou filho da minha aldeia, e nela faço porta, tapera e berço, e é nela que sou feliz.
De palhoça é minha casa, de bambu a minha cama, de barro são minhas panelas, de tronco são os meus móveis, de terra batida é o meu assoalho, de esteira é a minha porta, de sol e lua é a minha luz, de fé e crença é a imagem do meu Deus esculpido na madeira. De esperança que é possível ter o melhor na vida é toda a minha aldeia.
Água tenho ali, bem no veio do córrego que corre pela minha aldeia. Tenho uma gaiola imensa cheia de passarinhos, de cantos e penas de todos os sons e cores, numa vastidão do tamanho da mata, pois é na natureza que está a minha gaiola de passarinhos. Sabiá vive no meu ombro e em cima do pé de pau, papagaio fala comigo lá por cima de um pinheiro
Meu jardim é imenso, mas muito mais do que um cercado com algumas espécies de plantas. Cultivo bromélias, jacarandás, cactos, plantas arbustivas, cansanção, samambaias, árvores frutíferas, ciprestes, sândalo e tamareira e mais, muito mais, pois meu jardim está na imensidão verdejante da mata e tudo que brota em cima da terra. Flores não sei nem quantas, pois são todas. Os bichos correm e me perco se for olhar se quem passou foi o tamanduá ou a onça pintada.
Chego cansado e deito na rede debaixo do pé de pau, subo no coqueiro e faço chover de água doce, como a fruta que quiser na hora que desejar, asso o meu peixe em folhas de bananeira e bebo o vinho de frutas que um velho amigo índio me traz. Ao acordar vou tomar banho de cachoeira, colher um pouco de ventania para enxugar os cabelos e subir na montanha para falar com Deus. E como é bom, lá de cima, abrir os braços e agradecer a vida, olhar minha aldeia que se estende aos meus pés e dizer quanto sou feliz.
E quando quero abro a porta e vou viver o outro mundo. Esse mesmo que temos de conviver para chorar e sofrer, porque sem ele não haveria como reconhecer como é bela a minha aldeia. Mas saio por aí com ela dentro de mim, pois minha aldeia é e sempre será a paz que quero ter no meu coração.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com




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