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segunda-feira, 22 de agosto de 2011

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 7 (Conto)

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 7

                                         Rangel Alves da Costa*


Ao ser chamada pelo advogado, Leontina lhe desejou boa sorte e imediatamente Glorita se encaminhou para a sala reservada do causídico, levada educadamente por Carmen Lúcia, que disse baixinho ao seu ouvido que tivesse fé.
Por diversas vezes já estivera ali naquela mesma situação, só que agora, não sabia bem porque, talvez pelo relato ouvido da mãe de Jozué, estava mais nervosa, nitidamente mais aflita. Sentou e ao ouvir a porta se fechar também começou a ouvir Dr. Auto Valente falar:
“Como eu já havia afirmado lá fora, essa fase processual já está bem próxima do seu final, pois o processo já foi totalmente instruído, apresentadas as alegações finais e restando apenas que o magistrado prolate a sentença. Contudo, é bom logo avisar que não devemos ter boas esperanças não, que Paulo seja plenamente absolvido das acusações que lhe foram imputadas. Infelizmente tenho que dizer que os autos pesam contra a gente, mas não pelo fato em si, já que todos sabemos que foi tudo forjado, armado, preparado para acabar com a vida de seu filho, o que em parte já está sendo conseguido. Mas pesa porque tanto o representante ministerial como o próprio juiz calaram diante da realidade e procuraram se ater, propositadamente, no que foi forjado como prova. Tenho certeza que eles sabem que o seu filho é inocente, que os fatos narrados no inquérito e as provas colhidas foram todas forjadas, mas insistem em acreditar somente na versão mentirosa da polícia...”.
Glorita, de cabeça um tanto baixa feita os descontentes, de lenço na mão e chorando, interrompeu o advogado para perguntar por que o promotor e o juiz se desviavam tanto de suas condutas para eleger o meio mais abominável de julgar os outros, que é através do reconhecimento e da confirmação e da aceitação da mentira. E o profissional continuou:
“Depois comentaremos sobre isso, sobre tais absurdos. Porém antes quero relatar o que foi feito em nome do seu filho e o que levou o juiz de primeiro e até o tribunal negar todos os pedidos feitos em favor de Paulo. A senhora lembra que o Deputado Serapião Procópio me colocou nesse caso assim que soube do ocorrido, não foi mesmo? Então naquele momento, assim que o seu filho foi preso naquele flagrante preparado, a primeiro coisa que fiz foi pedir o relaxamento do flagrante, pela ilegalidade e injustificativa da prisão, principalmente porque efetivamente ele não havia cometido qualquer crime. Ocorre que esse mesmo magistrado que vai sentenciar negou o pedido. E qual a justificativa para negar? Porque consta do auto de prisão em flagrante que Paulo foi encontrado, logo depois, com instrumentos e objetos que fizeram presumir ser ele o autor da infração. Isso consiste no que eles chamam de materialidade delitiva, mas que não vem ao caso explicar aqui. E qualquer juiz do mundo faria o mesmo, ou seja, negaria, e isto porque efetivamente o seu filho foi encontrado com objetos de um suposto roubo, que foi o dinheiro subtraído, e a grande quantidade de drogas pelo corpo. Ocorre que o juiz não sabia que isso tudo foi planejado e praticado pela polícia com a pura intenção de prejudicar, de prender o seu filho. Procuraram e encontraram o seu filho, fizeram a abordagem e então colocaram o dinheiro e a droga e depois o conduziram até a delegacia, quando já estavam esperando para lavrar o flagrante. O que fizeram depois foi chamar a imprensa para apresentar o perigoso bandido e mostrar o que havia sido encontrado com ele. Foi isso que ocorreu. Ele ficou preso, acusado de tudo isso e os autos do inquérito simplesmente foram encaminhados para o juiz. Até esse ponto o juiz apenas recebe a documentação da autoridade policial e pelo que nela constava simplesmente recebeu, afirmando a legalidade da prisão. Daí em diante é que o absurdo contra Paulo passa a ter efetivamente a participação do promotor e do juiz...”.
“Como assim, doutor?”, indagou a desesperada mãe: O causídico voltou a explicar:
“Quando negaram o pedido de relaxamento de prisão que fiz, explicando toda a situação e dizendo como os policiais haviam preparado o flagrante, logicamente que já ficaram sabendo do teor do caso. Negaram porque quiseram e quiseram porque certamente alguma força superior lhes havia alertado para olhar aquele caso com atenção, pois nada deveria ser concedido em favor de Paulo, vez que a mocinha que ele estava namorando era sobrinha de outro juiz e filha de pessoa de grande influência. Daí em diante não tinha mais jeito mesmo, pois diante dessa ordem superior negariam tudo o que fosse possível pedir. Em situações assim, tanto o juiz e o promotor acobertam de tamanha forma as provas falsas criadas, as mentiras contidas, as torturas praticadas, que passam a acreditar piamente que o inocente realmente incorreu na prática do crime. E quando seguem em frente, dando canetada e mais canetada com a intenção de prejudicar, nada mais impede que eles busquem a todo custo a condenação de um inocente. E foi por isso mesmo que eles negaram o pedido de liberdade provisória, negaram a ouvida de testemunhas, e foram negando tudo que dizia respeito a Paulo. Se a senhora entendesse de processo e abrisse os autos teria vontade de vomitar diante de tanta baixaria, mentiras e aleivosias, um conjunto de tudo que há de mais ruim que foi jogado ali dentro simplesmente para prejudicar, prejudicar e prejudicar, e depois condenar e condenar. E o que mais dói, Dona Glorita, é saber que tudo aquilo foi uma armação desrespeitosa, afrontosa à lei, que nasceu num primeiro contato que fizeram com a polícia, depois dentro da própria policial e mais tarde passando a ter a participação da própria justiça. Assim, tanto policial como delegado, promotor e juiz, todos se uniram numa vergonhosa conspiração para incriminar o seu filho. E o que esperar da sentença?”.
“Mas porque eles agiram assim com tanta maldade, Dr. Auto?”. E o causídico tentou rapidamente explicar, o que aliás ela já sabia:
“É preciso que se deixe bem claro que tudo negado até agora se deu por justificativa segundo a qual consta do auto de prisão em flagrante que Paulo foi encontrado, logo depois, com instrumentos e objetos que fizeram presumir ser ele o autor da infração. O que não tiveram coragem de reconhecer é a forma como a droga e o dinheiro foram parar na posse de Paulo. Como eu disse também, não querem nem saber disso porque agiram para calar, emudecer a justiça. Tenho absoluta certeza de que esse tio da mocinha, que também é juiz, aliado ao pai da mocinha, que é rico, tiveram um poder de convencimento muito forte e graúdo para que a justiça, nesse caso especificamente, se transformasse no mais deslavado meio de se praticar injustiça. O pior é que isso também ocorre em outras instâncias. E já passo a temer pelo destino do recurso de apelação que teremos de interpor. Temo que seja uma cadeia sucessiva de absurdos, tudo sob a influência da amizade prestigiosa, do poder material, do dinheiro farto. Ai, meu Deus, que justiça é essa que certos julgadores muitas vezes abraçam!”.

                                                   continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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