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sábado, 27 de agosto de 2011

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 12 (Conto)

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 12

                                         Rangel Alves da Costa*


Diante da indagação, buscando um meio de responder a contento, sem dizer nem sim nem não como é praxe entre os poderosos que têm interesses comuns, o advogado levantou, se dirigiu até um armário, abriu-o e colocou duas doses de uísque, começando a sorver uma e levando a outra para o deputado, que acabava de acender um charuto.
Depois que virou a bebida sem gelo, o causídico sentou novamente e respondeu:
“Vou ter que responder com uma pergunta, não há outro jeito. Diga-me, deputado, quem é mais fácil de enganar, se é o povo ou a classe dominante, essa classe poderosa que está aqui na assembleia, nos quadros governamentais, nos fóruns, nos tribunais, nas grandes empresas? Ah, em Brasília também. Hein, deputado, quem é mais fácil de enganar?”.
Bebericando pausadamente seu uísque, sem nem pensar nos seus trabalhos legislativos, o nobre parlamentar procurou satisfazer ao questionamento do Dr. Auto.
“Você tem futuro meu rapaz, muito futuro. Tão jovem e já com pensamentos de raposa velha, com a astúcia que deve comandar o espírito dos homens importantes. Pois bem, diria que é mais fácil enganar os poderosos. Por mais que você não queira acreditar, diria que é muito mais fácil enganar esses burgueses de sola e estola. O povo, essa classe pobre que sofre mas vota de todo jeito, bastando que você dê uma esmola ou prometa alguma coisa, guarda consigo uma coisa que muitos políticos ainda não se deram conta, que parece até um verdadeiro mistério. Esse povo que se deixa enganar tanto tempo, de repente, de uma hora outra pode desandar o pensamento completamente. Não sei o que existe nele, mas quando cisma de uma coisa, quando bota na cabeça que um deputado é corrupto ou que não presta, aí então esse aí pode dar adeus à política. O problema é que a gente nunca sabe o que o povo tá pensando naquele momento, quais são suas propensões de voto, daí ser preciso ter cuidar para não feri-lo tão abertamente, pois ele é enganado mas não gosta que o outro saiba que ele está sendo enganado. Desse jeito, Dr. Auto, tenho pra mim que o povo é mais difícil de ser enganado do que os poderosos, pois a massa de uma hora pra outra engana é a gente na urna, que zera e nos deixa às portas do limbo. Já os poderosos não, estes são bem mais fáceis de enganar, principalmente porque se acham uns verdadeiros deuses, acima de tudo, com todo o poder do mundo e para tudo, mas não sabendo que sempre há gente mais esperta do que eles, que age sempre sabendo onde eles são mais vulneráveis, mais fáceis de ser atingidos. Mas aí reside um grande problema também, pois se um desses homens souber que você está querendo passar ele pra traz nunca mais terá sossego em sua vida, muitas portas se fecharão e nem a absolvição de um eleitor influente, por debaixo do pano, você não consegue mais no tribunal”.
Dr. Auto se admirava da inteligência safada do velho parlamentar. Ali sim, uma raposa velhíssima, antiqüíssima na política, não tendo jamais participado de uma eleição que não ficasse ao menos como suplente de deputado. Mas depois sempre assumia e não deixava mais a assembleia de jeito nenhum. Pelo assunto interessante, o advogado achou por bem botar mais lenha na fogueira e questionou:
“Deputado, o senhor não acha que essa gente de nome e sobrenome que se torna juiz e depois desembargador, por ser um encargo tão importante para a vida do povo, principalmente porque lida com um dos elementos primordiais que é a liberdade, não deveria ser uma classe onde não houvesse nenhuma interferência nos julgamentos, nenhum favorecimento a amigo do amigo, nenhum atrelamento aos interesses dos poderosos e endinheirados? Ademais, lidam com justiça e para todos os efeitos, mesmo que saibamos que nunca foi assim, o povo ainda tem um quê de confiança na justiça. Se o povo realmente soubesse o que há de maracutaia, de arrumação vergonhosa, por trás de determinados julgamentos certamente que mudaria seu conceito...”.
O deputado nem deixou que terminasse e foi logo interrompendo para falar o que há muito tempo tinha vontade:
“Nesse ponto você está sendo criança, meu nobre advogado. Você que milita na vida forense há tanto já devia saber que a justiça que o povo pensa que existe é apenas um conceito e que a justiça dos fóruns e tribunais é completamente diferente. Nesses lugares nunca houve nem haverá justiça, senão conveniência na maioria dos julgamentos. O pior é que toda condenação de um pobre, pois dificilmente um rico é condenado e vai para prisão, serve apenas como contrapeso para o outro lado da balança. Quando se condena um pobre o povo, principalmente a parte adversa, está achando que se fez justiça, mas não, toda condenação de pobre serve para iludir a sociedade, serve tão somente para esconder o outro lado nefasto que há na justiça. O judiciário procura, então, justificar sua existência na condenação dos mais desvalidos, mas esse mesmo judiciário não tem peso nem interesse em mexer em vespeiro, em botar a mão em peixe graúdo. Também por medo, principalmente por medo, pois dificilmente há juízes ou desembargadores que não tenham rabo preso, que não julguem segundo as conveniências. O pior é que muitas vezes somente na base da maracutaia...”.
“Por que tanta maracutaia, deputado?”, perguntou o sorridente interlocutor:
“Dr. Auto, de cima a baixo e de baixo a cima, independentemente do grau, há sempre uma maracutaiazinha por trás de muitas decisões. E por que muitos advogados, e você sabe bem disso, conhece isso muito melhor do que eu, sabem que mesmo o seu cliente sendo condenado em primeira instância será absolvido na segunda instância, e quando o processo sobe, cai logo na mão de um relator e depois é pá e casca? E por que existe esse negócio de pedido de vista em julgamento no tribunal, se nada mais serve do que para fazer arrumações com os donos dos votos que ainda faltam? Dr. Auto, é inadmissível que um processo que fica tanto tempo num tribunal, que é relatado e revisado e depois vai pra mesa de julgamento e no dia um sicrano todo empoado diga que pede vista porque precisa analisar o caso em maior profundidade. Isso não poderia existir, Dr. Auto, isso é a maior vergonha que possa existir num tribunal. Você garante que  aquele que pediu vista não vai receber um tantinho de não sei quem para votar assim ou assado? E quantos telefonemas de pessoas que você sabe muito bem quem são, visitas e envelopes lacrados, recebem aqueles que faltam votar? E tudo porque um julgador pediu tempo para analisar um processo que já dorme no tribunal há não sei quanto tempo. E por que colocam em pauta aquilo que os julgadores desconhecem, por que não se cria uma lei dizendo que todo e qualquer processo só pode ir a julgamento no tribunal se os desembargadores ou ministros assinarem antes um documento dizendo que já têm conhecimento claro sobre o caso e que estão aptos a julgá-lo? Mas isso é só um grãozinho nesse mar de aberrações que é a justiça. Me traga outro uísque aí, Dr. Auto”.
O advogado levantou e deixou outra pergunta a ser respondida:
“E o que é que o senhor sabe mais, deputado?”.

                                                      continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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