SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 8 de agosto de 2011

LAMPIÃO E MARIA BONITA: UM AMOR (Crônica)

LAMPIÃO E MARIA BONITA: UM AMOR

                                    Rangel Alves da Costa*


Não se trata aqui de traçar um percurso histórico do relacionamento amoroso, da união verdadeiramente conjugal entre Lampião e Maria Bonita, suas causas e consequencias. Nada disso. A historiografia já trata muito bem sobre aquele encontro, aquele olhar, aquela paixão pela esposa revoltada do sapateiro.
Contudo, não há como deixar de observar nesse compartilhamento ungido no amor e na dor feições do destino, do acaso, do cumprimento aos desígnios divinos para sua existência e continuidade em situações tão adversas. Somente os grandes amores têm o dor de vencer as barreiras mais difíceis que lhes são impostas.
Pois bem. Não é todo dia que um cangaceiro, tendo por moradia as catingas sertanejas e bebendo água no oásis ressequido da esperança, correndo de um canto a outro no encalço do inimigo ou sendo perseguido, vá ter tempo para as coisas do coração. Uma mulher sempre faz falta a um homem, em qualquer situação, mas seria impensável que um bicho do mato fosse sentir amor à primeira vista pela “mulata da terra do condor”.
As tais linhas tortas nas quais Deus, escreve certamente que eram aqueles caminhos arenosos e espinhentos, cheios de labirintos e ladeados por inimigos, que um dia o Capitão achou de percorrer nas suas andanças. Se soubesse que o inimigo estava mais adiante, entrincheirado numa moita a espera da aproximação, ainda assim nada impediria esse caminhar. Ora, os passos do destino são sempre para frente.
Então ele seguiu adiante em busca desse destino sem jamais imaginar que naquela vastidão de secura e pobreza iria encontrar sua bem amada, a mulher que logo seria o gás na sua chama de lampião e que doravante seria sua companheira não somente das coisas do amor, mas também nas lutas tenebrosas de todos os dias, desde o acordar ao sono da lua.
E aquela bela mulher agrestina, tão bonita como toda Maria, ferida no amor por um casamento conturbado com um artesão sertanejo, por que sentiu o coração amolecer quando olhou nos olhos da tão temida figura, simplesmente o rei das caatingas e mandacarus, o homem que fazia quase todo o sertão ajoelhar-se aos pés? Por medo, por desatino, por loucura, maluquice ou coisa parecida? Tudo destino, tudo fadário e sina, o acaso unindo o impossível para que aquelas linhas tortas pudessem ser lidas.
Não há que se pensar diferente. O bicho brabo do mato, o feroz cangaceiro, aquele que muitos imaginavam não ter sentimentos e muito menos guardar esperanças de amor por uma mulher, de repente encontra uma bela sertaneja, porém comprometida, ainda casada para todos os efeitos. Esse inusitado, num verdadeiro emaranhado difícil de se entender, só pôde ser desalinhavado e justificado quando ela, sem temer a língua dos outros nem o futuro, colocou a aliança de sol e a grinalda de espinhos de quipá.
Certamente que na sua decisão de acompanhar para a vida e a morte o rei dos cangaceiros, já imaginava as durezas e os sofrimentos que iria encontrar pela frente e em todo lugar. E o que pode ser mais forte do que a vida em constante perigo, vivendo cercada de inimigos, sem tempo pra brincar e sorrir de felicidade, senão o amor? Somente o amor, a entrega absoluta ao Capitão, tornaria suportável aquele lar debaixo do sol e da lua, crivado de balas e manchado de sangue.
Se há que se escolher, entre os dois, aquele que verdadeiramente permitiu que todo esse amor acontecesse, sem dúvida que todo o mérito caberia a ela, Maria Bonita, que desafiou o seu tempo e rasgou o véu tradicionalista da história para acompanhar o seu homem pelos caminhos incertos. E se há que se escolher aquele que lutou para que o amor não fosse sendo diminuído pelas durezas da estrada, este foi Lampião, que fielmente buscou ter tempo para a guerra e para amar, para tê-la sempre ali ao seu lado, até que a morte enfim chegasse.
E depois de mais um dia de luta e aflição, certamente que o Capitão ainda guardava tempo para convidá-la a sentar no alto do morro, lá mais próximo da lua sertaneja, e dizer a sua Maria sempre bonita: “Só sei o que é vitória nessa luta sem fim quando volto pra os seus braços”.
E é por isso que a poesia canta: “Virgulino Ferreira, o Lampião/ Bandoleiro das selvas nordestinas/ Sem temer a perigo nem ruínas/ Foi o rei do cangaço no sertão/ Mas um dia sentiu no coração/ O feitiço atrativo do amor/ A mulata da terra do condor/ Dominava uma fera perigosa/ Mulher nova, bonita e carinhosa/ Faz o homem gemer sem sentir dor/ Mulher nova, bonita e carinhosa/ Faz o homem gemer sem sentir dor...”.





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com






    

Nenhum comentário: