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domingo, 28 de agosto de 2011

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 13 (Conto)

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 13

                                         Rangel Alves da Costa*


O instigante assunto parece que havia dado fôlego à velha raposa da política e dos meandros das maracatuias nos órgãos de poder e de julgamento. Agora em pé para expor melhor o seu pensamento ao advogado, caminhava de um lado a outro com o copo na mão, parecendo mais estar na varanda de sua mansão do que mesmo num gabinete de assembleia legislativa.
“Ora, meu bom amigo, como já dizia o dramaturgo inglês, há muito mais mistérios entre o céu e a terra do que imagina nossa vã filosofia. E seguindo os passos de Shakespeare, diria que há muito mais aberrações, safadezas e corrupções nesse mundo ou nesse verdadeiro Olimpo onde refestelam os donos do poder, do que suponhe a mais arguta imaginação. É safadeza pra todo lado meu amigo, é uma corrupção desenfreada que não acaba mais. Não conheço um só homem público, uma autoridade governamental ou judiciária que já não tenha seu lugar garantido no tacho fervente dos pecadores...”.
Disso o advogado também tinha pleno conhecimento, mas não por conviver nos gabinetes da maioria desse tipo de gente, mas pelas conversas que ouvia e o deixava de cabelo em pé, ainda que tivesse poucos na cabeça. Então perguntou ao parlamentar se ele poderia apontar um órgão específico onde essas facetas eram mais evidentes.
“Em todos os órgãos, em todos os gabinetes, sem sobrar nenhum que sirva de exemplo de honestidade e credibilidade. Verdade é que em alguns setores existem homens sérios, de grande credibilidade e confiança, mas o problema é o metiê, é o meio, que faz corromper o inocente, o que busca a todo custo se preservar. Em determinados setores, ou o cabra se torna corrupto, safado ou qualquer coisa pior, ou não tem espaço, é logo colocado pra escanteio, se não acontecer coisa pior. Vou só citar um exemplo. Pra pessoa entrar na polícia e tentar preservar sua honestidade, seu lado humanitário, sua compreensão do ser humano comum como alguém que merece respeito e que não tenha de olhar todo mundo como bandido, dá um trabalho danado. Todo mundo sabe que expressiva parte dos que fazem a polícia gosta de um subornozinho, de uma maracutaia, de um negocinho por fora para favorecer esse ou aquele. Todo mundo tá cansado de saber da festa corruptora que é a polícia, basta abrir os jornais e atentar para as manchetes escandalosas. Enquanto mil peixes grandes pagam propina por isso ou aquilo, de vez em quando um miserável é preso, feito boi de piranha, porque quis entregar pouco na mão do policial. E vá um besta dos próprios quadros e diga que não quer participar dessas artimanhas e facilidades, que diga que vai denunciar as práticas corruptas existentes, para ver o que acontece com ele. Daí, meu amigo, muitas vezes ou se entra no jogo do meio ou se transforma em absolutamente nada. E como eu já disse, se não acontecer o pior...”.
“Mas o pior o que, deputado?”, perguntou o causídico.
“Deixe pra lá que você não é menino. Mas hoje eu tô com a peste, com a gota serena mesmo, por isso que vou dizer uma coisa que há muito tempo me vem coçando a língua. Pelo que eu vou dizer você vai saber até que ponto chega a seriedade das instituições nesse país que é um verdadeiro descalabro. Pois bem, você sabe muito bem dessa história que lá em Brasília, tanto no senado como na câmara existem parlamentares que chegam lá em nome do povo, mas uma vez com as chaves nas mãos começam a fazer tudo diferente e se tornam defensores de grupos poderosos, de determinados setores, não é mesmo? Por isso se fala tanto em bancada dos evangélicos, da bola, do agronegócio, do bingo e um monte de outras coisas, e tudo recebendo verdadeiras fortunas. Agora pasme você, nobre advogado, que andei sabendo que o mesmo acontece no judiciário, nos tribunais, onde dizem existir um grupo que privilegia empresários, outro que privilegia fazendeiros, outro que está preparado para defender os interesses dos governos estadual e municipal e até um exclusivamente reservado para julgar ilegal todas as graves que os servidores públicos façam. Isso é só um exemplo, pois outros grupos se espalham por lá e garanto que nenhum serve para defender os interesses das classes oprimidas e verdadeiramente injustiçadas...”.
“Mas deputado, se não fosse assim muita gente graúda ia pra prisão, a sociedade burguesa ia ficar desestabilizada, e logo essa classe que é muitíssima amiga desse povo de caneta na mão. Ora, esses homens que julgam também são humanos, têm suas fraquezas e por mais que entendam de lei nunca esquecem daquele ditado dizendo que água mole em pedra dura tanto bate até que fura. O senhor bem sabe que todo mundo gosta de ser agradado, ver reconhecido o seu mérito de amigo que corta e recorta a lei para julgar em favor do amigo. Isso é muito normal, o que ocorre muitas vezes são alguns absurdos, principalmente quando todo mundo sabe que há juiz e desembargador que explícita e vergonhosamente não julgam o caso, mas o advogado que está assinando a contenda ou uma das partes envolvidas. Conheço advogados que dão sorte demais, pois suas peças e seus recursos só caem nas mãos de determinados julgadores. Por isso é que esses advogados cobram os olhos da cara dos seus clientes e afirmam logo que vão conseguir o pretendido, pois parte dos honorários já tem endereço certo...”.
O Deputado Serapião gostou do que ouviu, estava contente porque o advogado estava corroborando com o seu pensamento, cujas considerações só poderiam vir à tona desse modo se fosse ali entre quatro paredes. Não se podia negar que o próprio fazia parte dessa lavra de gente ruim, desonesta e corrupta. Ele sabia muito bem disso e não negava aos seus amigos mais próximos, como o Dr. Auto. Em seguida olhou o relógio e disse ao causídico:
“Conversamos demais e ainda não dissemos nem o começo, principalmente porque a coisa fede e fede muito, é carniça pura. Mas sei que você veio aqui por outro motivo, pois então se apresse em me dizer o que é que já estou atrasado pra roubalheira”.
“É sobre o caso daqueles dois rapazes, filhos de Dona Leontina e Dona Glorita...”. Rapidamente o deputado lembrou para dizer:
“Ah, pobres e inocentes rapazes que infelizmente vão ter que comer o pão que o diabo amassou lá na penitenciária. Digo infelizmente porque não posso fazer mais nada, não posso contrariar alguns poderosos amigos que têm interesse em deixá-los com o destino cruelmente selado”.

                                                    continua...






Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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