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quarta-feira, 17 de agosto de 2011

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 2 (Conto)

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 2

                                         Rangel Alves da Costa*


Dona Leontina vestiu a melhor roupa que tinha, um vestido longo todo florado, de pano de chita comprado numa feira próxima e que só usava para ir a missas ou em ocasiões especiais, e mesmo entristecida se olhou no espelho e se achou bem arrumada.
Pegou a velha bolsa, colocou dentro dela a bíblia e o rosário, a foto do filho e mais o dinheiro que tinha e saiu em direção à igrejinha que ficava no pé da ladeira. Tinha que primeiro passar na capela para orar, pedir a intercessão divina na resolução daquele grave problema, um verdadeiro absurdo urdido com a face da injustiça para deixar encarcerado o seu menino, ainda que já fosse rapaz feito.
Ali, no silêncio da manhã que se encontrava a igrejinha, já aberta àquela hora, ela se ajoelhou próximo ao altar, se benzeu com o olhar voltado para imagem de Cristo na Cruz logo adiante, depois baixou a cabeça, colocou o rosário entre as mãos e se fechou em orações. Em seguida conversou diretamente com Deus, como fazia sempre nas horas mais necessitadas.
“Deus, meu Deus, porque me conhece tão bem sabe que não vinha ficar aqui a seus pés se o que preciso resolver não fosse realmente tão difícil. Sei que tem muito com o que se preocupar, por isso mesmo só venho pedir socorro quando não tem mais jeito mesmo, ainda que viva com sua presença no coração noite e dia. É que, meu Deus, mais do que ninguém o Senhor sabe que o meu filho Jozué está sendo vítima da maldade dos homens, da mais pura perseguição, que levou pra prisão um inocente e deixou ele lá como se a verdade não tivesse nenhum valor. Creia, meu Deus, que confio demais no meu filho porque dei, na ordem de pobre, a melhor criação que uma mãe podia dar, e por isso mesmo sei que ele é inocente nessa história toda. Ele não ia mentir pra mim e quando ele diz que não fez nada daquilo que disseram que tinha feito é porque não fez mesmo. O pior é que continua lá na cadeia, esperando que a verdade surja como uma luz aos olhos da justiça ou, do contrário, vai ser mandado para o inferno dos inocentes vivos, que é a penitenciária. Por isso, meu Deus, eu imploro que o advogado possa daqui a pouco me dar uma boa notícia, dizer que o meu filho vai ser solto. Confio no Senhor, meu Deus, me ajude nesse momento de sofrimento”.
No outro lado da cidade, a mãe de Paulo fazia o mesmo, pedindo a ajuda divina diante de tão grave problema. A igreja era outra, lá no bairro onde Glorita morava, mas a fé que tudo poderia ser resolvido antes que o rapaz fosse encaminhado para o sistema penitenciário era a mesma, com o mesmo louvor e o mesmo convencimento de somente Deus para iluminar os homens que faziam a justiça para o grande erro que haviam cometido e continuavam comtendo. E também ajoelhada implorava:
“Pai Eterno do Céu, ouça uma mãe aflita que vem aos teus pés implorar pelo filho que está sendo condenado pelos homens sem ter feito nada que merecesse ao menos sofrer reprimenda da justiça, quanto mais ficar encarcerado, detido e em vias de ter pior destino sendo um verdadeiro inocente. Bem sabe por que fizeram isso com ele, bem conhece até onde vai o ódio, o ardil e a perseguição. Tramaram tudo aquilo contra ele, deixando o meu filho indefeso, e ainda por cima calaram quem tinha que apurar a verdade. Não aparecendo a verdade porque a própria polícia sabia que aquilo praticado contra ele estava errado, tudo que quiseram dizer e fazer fizeram para incriminá-lo, arranjar provas falsas, testemunhas mentirosas e o pior, fizeram com que meu filho confessasse, apanhando muito e com a cabeça coberta por uma sacola de plástica, para confessar o que não havia feito. Confessou que fez tudo aquilo para não morrer, pois disseram que ou ele assumia o erro eu era um homem morto. E o que não se faz para continuar vivendo, meu Deus? Traiu a própria consciência por amor a vida, mas a continuar como está nem adiantou confessar nada, pois vai morrer do mesmo jeito lá naquela penitenciária. É justo que a polícia faça isso, meu Deus? É justo que uma autoridade revele toda sua engenhosidade para buscar meios de incriminar um inocente, só porque atende às ordens de pessoas muito importantes nos mais altos degraus do judiciário? É justo que a justiça se faça pelo caminho da injustiça, do vergonhoso, do abominável? Verdade é que sob o manto do que se chama justiça há mais injustiça do que qualquer um possa imaginar. Os homens julgam como querem, perseguem quem eles querem, colocam nas penitenciárias quem eles acham que devem apodrecer lá dentro. E se meu bom Deus não acudir o meu filho nesse momento de precisão, outro destino ele não terá senão perder toda sua vida dentro dos muros dos mortos vivos. Salvai meu filho, meu bom Deus, clarificai o conhecimento e a mente do advogado, mas não esqueça que nenhum advogado no mundo será comparado ao teu poder. Ajudai-nos, confio na tua graça e na tua sabedoria de bondoso pai. Livrai o meu filho Paulo dessa terrível trama, dessa abominável perseguição”.
Depois das orações, cada uma seguiu no seu meio de transporte para o centro da cidade, para o escritório do advogado. Dr. Auto Valente, causídico que estava acompanhando os dois casos a mando do Deputado Serapião Procópio, havia marcado com as duas mães naquela manhã. Os dois casos eram totalmente diferentes, mas tinha que atender cada uma e passar algumas informações relevantes, vez que decisões importantes da justiça deveriam ser conhecidas a qualquer momento.
Não demorou muito e Glorita entrou no escritório, anunciando à secretária que já estava à disposição do advogado. Logo em seguida a porta de vidro se abriu e entrou Dona Leontina, cumprimentando a secretária e também a senhora que já estava ali, que era a mãe de Paulo.
Por não se conhecerem, ficaram silenciosas por algum instante. Dona Leontina quebrou esse estado ao não suportar esconder tanta aflição, dizendo que não aguentava mais conviver dia e noite com aquela situação de injustiça. E tal afirmação logo foi reconhecida pelo íntimo da outra, que a olhou nos olhos como se ali estivesse lendo também a sua história.

                                                  continua...






Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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