POEMA EM CADA OLHAR
Rangel Alves da Costa*
Tem gente que não pensa em mais nada a não ser na pessoa que deseja, que ama, que está enamorado. Isso é bom porque o coração que incentiva, motiva e dá forças, já sabe muito bem o que quer.
Mesmo que mais tarde as esperanças se percam ao vento, não há como negar a alegria que se teve ao buscar o amor, ao percorrer os caminhos que levariam à felicidade dos sentimentos. Por isso que vale a pena buscar sempre o amor, desde cedo vale a pena amar.
Nesse percurso é que o menino fazia do pensamento na bela menina quase toda a sua vida. Do seu cotidiano pouco restava a outros afazeres, senão pensar nela, sonhar com ela, escrever o poema mais bonito do mundo para ela.
Assim, todas as manhãs ele passava diante do jardim da casa dela, olhava em direção à janela ainda trancada, e imaginava vê-la diante do espelho ajeitando os cabelos, admirando a própria beleza. Talvez fosse o espelho, espelhando-se na contraluz da perfeição, encantando-se com a dádiva angelical.
Então pegava seu caderninho e escrevia mais um verso: E até o espelho que se encanta com o encanto dos apaixonados, sonhando refletir com um toque a luz dos enamorados...
Dali a pouco na escola, mesmo separados por salas diferentes, ele imaginava a bela menina segurando seu lápis grafite e escrevendo bem na ponta do caderninho o seu nome, depois um coração, depois um rosto ovalado com sorriso na boca, olhos imensos e cabelos de tranças, dizendo eu te amo. E o amor era ele.
E pegava seu caderninho de poesias e escrevia: E a luz refletida no espelho, espalhada onde ela caminha, não deixa que nada apague a doce lembrança minha...
Quando a campinha anunciava o recreio ele saía voando da sala e pousava bem debaixo da mangueira, no caminho por onde certamente ela passaria. Numa mão levava uma flor, na outra uma maçã do amor, no pensamento um beijo e na boca um silêncio aflito e louco para dizer apenas “como te amo”.
Mas nem flor, nem maçã, beijo ou palavra, apenas o contentamento em vê-la olhar e sorrir, e já era tudo naquele jovem coração apaixonado. E imediatamente tirava do bolso seu caderninho e dava continuação ao poema: Da luz dela que reflete em tudo, vence minha alma e meu escudo, joga-me a teus pés a dizer que és a paixão que desnudo...
Ao sair da escola, sempre caminhando um pouco distante dela, apenas no passo que desse para avistá-la e saber se naquele dia sentaria no sombreado do banco da praça, se ficaria um tempinho no jardim admirando a si mesma ou se continuaria na direção de sua casa e de sua janela, portal onde a deusa disporia sobre o fiel lá embaixo.
Mas nem por um caminho ou por outro, pois dessa vez ela preferiu caminhar sem direção, apenas seguindo e seguindo, e ele apressado, quase voando, atrás do motivo daquele caminhar. E com letras desconsertadas escrevia no caderninho: Porque não sei se sigo ou persigo um raio de luz, ou se a força dela que me seduz, me faz um caminhante servo do amor com sua cruz...
Então ela seguiu até a igreja, conversou com uma criança de rua, passou na casa de uma amiga, colheu flores, sorriu, tentou correr, tropeçou, olhou para os seus céus e ergueu as mãos para o alto, dançou no meio do tempo, bailou agradecendo à vida, cantou uma melodia em silêncio, quis deitar na grama e rolar pela relva, e depois seguiu cansada em direção à sua casa, à sua janela.
E ele fez tudo isso também, e fez mais, pois a cada passo e cada arte da menina ficava ainda mais encantado, admirado com tanta expressão de simplicidade e singeleza, e então esqueceu que ela era uma deusa, mas apenas uma mulher que talvez desejasse ser amada. E juntou os pedacinhos do poema de amor sem escrever mais nada, decidido que estava a terminá-lo pela voz.
Então ficou debaixo da janela e gritou: Quer ser o último verso do meu poema? Até hoje se lê esses versos no livro do verdadeiro amor. Tenho um à minha cabeceira.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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