SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 9 de agosto de 2011

TEMPESTADE - 92 (Conto)

TEMPESTADE – 92

                          Rangel Alves da Costa*


Depois do abraço, que certamente demoraria muito mais se o homem não falasse ao ouvido de Mauela que aquele não era o momento apropriado para tais coisas, pois deveriam respeitar a morta e todos ali presentes, a esfuziante mulher correu para perto de De Lourdes, puxou-a pelo braço e foi até um cantinho segredar:
“Agora que reencontrei meu amor, agora que o safadinho do meu coração voltou, só falta você botar as suas mãos no seu. Mulherzinha de Deus, eu tava brincando, mas se ele já é bonito por demais da conta assim no entristecimento da viuvez, quiçá quando botar um sorriso naquele rosto. Não perca tempo não minha amiga, vá triscar de lavanda, de toque de amor, qualquer perfume, e depois ofereça um cafezinho e uma caneca d’água a ele, ande cuide!”.
E na ponta do olho, já sabendo que daquela conversação entre as duas não saía coisa séria, apenas ficou observando a filha se entocar por dentro do quarto e depois seguir em direção à cozinha, saindo de lá com uma bandeja toda enfeitada do que tinha no fogão e no armário. Valei-me Deus, não tem jeito não, mas o que fazer com a pobre coitada ainda invicta e atormentada, falou a si mesma a velha mãe, até sorrindo por dentro das peripécias da filha.
Toda perfumada, empozada até dizer chega mesmo na escuridão, se dirigiu até onde estavam o pai e o filho e estendeu-lhes a bandeja com café, água e biscoitinhos. Aceitaram pouca coisa, quase nada, mas o restante se espatifou pelo chão quando a moça ouviu, sem acreditar no que estava ouvindo, o moço entristecido falar: “Muito obrigada moça bonita!”.
E pra que o homem foi dizer isso? Faltaram-lhe as pernas, os braços começaram a estremecer, e no desvão da paixão doentia por qualquer homem, respondeu: “Eu também te amo!”. O moço fingiu não ter entendido nada, porém foi cutucado pelo menino Tiquinho: “Aí pai, por que não namora com essa moça pra o senhor não ficar sozinho?”.
Se a pobre solteirona tivesse ouvido isso certamente bateria as botas no mesmo instante, iria pro beleléu, partiria dessa pra melhor. E a velha senhora se admirava com aquele movimento todo e dizia aos botões que coisa estranha é a vida, pois a defunta ali estendida e o destino já arrumando alguém para ficar no seu lugar, pra deitar na cama com seu marido.
Tudo isso que se passava na casa de Sinhá Culó e do velho Timbé, o menino Zezeu já havia confirmado à mãe. Esta, aliás, depois da história do aparecimento do passarinho ficou insistindo para que o filho lhe contasse o que ele havia dito ou simplesmente piado em seu ouvido, pois mesmo na escuridão deu pra ver quando o bichinho se aproximou e segredou-lhe alguma coisa muito importante.
Zezeu agora estava muito diferente daquele menino de instantes atrás. Ouvia a mãe falar e nem estava aí para o que ela dizia, como se estivesse pensando uma coisa muito importante, se transportando dali em pensamento. E estava mesmo, estava distante de casa, estava distante de tudo, estava encontrando consigo mesmo num lugar inimaginável de se relatar seu esplendor.
Saiu do canto da casa onde estava, foi conversar um instantinho com os outros irmãos e depois voltou mais sorridente. Gostaria de ter conversado também com Totinha, seu outro irmão que continuava na escola, mas disse a si mesmo que mais tarde chegaria até ele de todo jeito. Então, se aproximou da mãe, chamou o pai para ouvir o que tinha a dizer, e começou a falar baixinho:
“Vocês querem saber mesmo o que aquele passarinho me disse? Então digo logo que ele não disse nada de importante a não ser me convidar pra ser passarinho por uns tempos, pois ele me disse que lá no mundo dos passarinhos precisam de alguém como eu para explicar porque as pessoas aqui da terra tratam tanto eles como os outros bichos tão mal. Eles não sabem porque fazem isso e precisam que eu explique porque o ser humano consegue guardar tanta maldade, tanto senso de destruição e tanta violência no coração. Precisam ouvir isso porque nem sabem se continuarão voando pelo nosso céu, por cima das montanhas e dos rios, cortando os horizontes em revoada, enfeitando as paisagens e buscando tornar a vida humana mais feliz e cheia de contentamento. Mas estão achando que não estão conseguindo, e é por isso que pedem que eu viaje até o mundo dos passarinhos e fique por um tempo lá conversando com eles. Mas um dia eu volto, quer dizer, nem vou sair totalmente daqui, pois de repente vou aparecer voando por aqui, pousando na janela e até entrando em casa. Não se preocupem não que estarei bem, mas agora preciso ir, preciso voar...”.
Totalmente paralisados diante do que ouviram, os pais não tiveram reação alguma quando ele se encaminhou até a porta, abriu-a cuidadosamente e no limiar abriu os braços para ir se transformando em pássaro e voar. A chuva parecia não molhar suas penas branquinhas, atrapalhar o seu majestoso voo, seguir até onde outros pássaros já o aguardavam lá em cima. Os pais correram até a janela e viram uma linda revoada se distanciando.
Totinha estava na sala de aula com os outros colegas conversando com a professorinha Suniá, que já estava de pé e até demonstrando alegria e disposição, quando de repente sentiu algo diferente, como se uma coisa muito importante estivesse acontecendo lá fora que precisasse urgentemente ver. E correu em direção à porta e seguiu até mais adiante, quando viu um lindo pássaro pairando no ar bem à sua frente.
Não sabia por que, mas tinha certeza que ali estava vendo seu irmão Zezeu. E confirmou o pensamento quando este voou lentamente até o seu ombro e levantou o bico como num beijo. Deu vários beijos, passou a asa sobre o seu rosto e depois voou novamente, sumindo na escuridão. E também não sabia por que, mas se sentia feliz, muito feliz com o irmão passarinho. Sabia que um dia ele voaria, tinha certeza.

                                                    continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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