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quinta-feira, 25 de agosto de 2011

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 10 (Conto)

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 10

                                         Rangel Alves da Costa*


Após friamente dizer “Venda o que tiver e o que não tiver”, o advogado deixou a sala, atravessou a antessala do escritório, não dirigiu mais a palavra a ninguém e saiu. Somente no instante seguinte abriu a porta novamente, mas sem entrar disse à secretária que pelo restante daquela manhã estaria no fórum. Não disse qual.
Ainda sentada na cadeira defronte ao birô do Dr. Auto, Leontina parecia pasma, apalermada, sem acreditar no que tinha ouvido. Outras vezes ele havia se mostrado com frieza, uma certa indiferença, mas jamais havia se expressado daquela forma. E não foram somente palavras, mas pontadas, flechadas, facadas, qualquer coisa que tivesse o dom de tanto ferir.
Mas ela não chorava mais, Leontina não chorava mais. Aquele absurdo havia secado as lágrimas, talvez. Os sentimentos foram afligidos de forma tal que a tristeza e a angústia haviam tomado o corpo por inteiro, e não apenas a fonte das lágrimas. Levantou como pôde, se ajeitou quando se viu em pé e olhou para a Cruz de Cristo ao fundo, na parede, logo atrás da bonita cadeira do causídico.
 Até esboçou um sorriso depois de enxergar a cruz, estava mais forte agora. Estranhamente estava mais forte agora. Depois se lembrou de um ditado dizendo que muitas pessoas colocam a imagem de Deus nas suas costas porque não têm coragem de colocá-la à frente e olhar bem dentro dos olhos do Senhor.
Na antessala não comentou nada do que ouvira, procurando apenas perguntar como a nova amiga estava se sentindo naquele momento. Pelo semblante da outra, coisa boa também não havia ouvido. Aquele não havia sido um bom dia para as esperanças, as injustiças tinham se mostrado poderosas, passeando perante as fragilidades dos homens.
Continuando em pé, mesmo que sentindo o corpo um tanto enfraquecido, e ainda atônita, Carmen Lúcia convidou-a para sentar porque precisava falar rapidamente com as duas. Assim que Leontina sentou ao lado de Glorita ela disse:
“Não precisa que me digam nada do que o Dr. Auto falou. Do modo que ele saiu daqui já imagino o que tenha dito. Mas como eu havia afirmado antes, resolvi ajudar vocês, resolvi acompanhar o caso mesmo sem poder falar nos autos, afinal o advogado é ele e eu nem posso tomar frente de nada ainda. Mas também como havia dito, é preciso que ele não saiba de nada, nem sonhe que fiz amizade com vocês nem que falei nada disso. Do contrário estarei no meio da rua e com meu futuro profissional comprometido. Se vocês aceitarem vou relatar todos os absurdos aos organismos competentes e pedir as devidas providências, doa a quem doer, afinal de contas injustiça é precisamente o que não deve fazer moradia dentro da justiça. Preciso que digam onde moram, tudo certinho, o endereço completo que terei imenso prazer em visitá-las. Serão precisos esses encontros reservados porque informalmente, num diálogo franco, exporei tudo o que acho sobre as histórias de vocês duas. Nas suas residências vocês ficarão mais à vontade e podem abrir esses coraçõezinhos aflitos no que desejarem, tá certo?”.
As duas se comoveram com as palavras acolhedoras da mocinha. Intimamente, tanto uma como outra, via naquela jovem uma pessoa boa e que bons frutos poderia trazer. Como se dizia na sabedoria popular, a pessoa que é boa e de confiança possui seu cartão de visita logo no primeiro olhar, diante da face, sem precisar maiores provas. E diante da situação, após o pavor espalhado pelo advogado, nada melhor do que ter apoio de alguém de confiança, que entendia de lei e que estava disposta a realmente ajudar.
Glorita forneceu o endereço certinho, disse os melhores dias para ser visitada e prosseguiu:
“A mocinha não perguntou nada soube outras coisas e disse que não quer nem saber, mas não posso sair daqui sem perguntar os motivos de o Dr. Auto estar assim tão diferente. Eu mesma esperava uma notícia melhor, mas ele foi até desanimador ao dizer que não tinha mais nada a fazer, não tinha mais jeito a dar, porque a condenação de Paulo já era tida como coisa certa. Mas o pior foi quando ele disse que depois que sair a tal da sentença só vai ficar no caso, dando entrada numa apelação, se o Deputado Serapião ordenar. Mas pelo que eu sei, o bilhete que o deputado mandou foi pra ele acompanhar até a última instância, se preciso fosse, nem se preocupando com valores...”.
Leontina praticamente interrompeu a amiga para revelar sua parecida situação:
“Além de também dizer que o meu filho Jozué, mermo que totalmente inocente, já estava condenado e não tinha jeito, ele me disse uma coisa que quase me faz ter um passamento lá dentro. A você ainda falou no deputado, mas pra eu disse apena que se quisesse ele continuano no caso, fazendo esse tal de recurso que a senhora disse aí, eu merma tinha que me virar, pagar do meu propio bolso. E o mais difici foi ouvi ele dizer que eu vendesse tudo que tinha pra pagar a ele, mermo sabeno que não tenho nada...”.
Carmen Lúcia ouviu os relatos olhando nos olhos das duas e procurou se manter com todas as forças para não levantar dali, esbravejar, gritar, dizer um monte de asneiras, jogar toda papelada no chão, chutar cadeiras, bater nas paredes e no birô. Na sua concepção, era inadmissível que um advogado tratasse pessoas tão humildes dessa maneira.
O pior é que tudo aquilo soava com imenso absurdo, como revelações difíceis de se aceitar, principalmente no que dizia respeito às atitudes tomadas pelo Dr. Auto. Ainda não estava acreditando que aquilo pudesse ter sido verdade, vez que se o sempre responsável, amigo e educado causídico proferiu considerações tão vexatórias e inadequadas é porque havia uma grande motivação por trás disso tudo. Precisava saber.
Antes que as duas saíssem desconsoladas, Carmen ainda disse:
“Tenham fé, orem, implorem a ajuda de Deus. Por mais que o inimigo pense que está dominando, de repente a verdade aparece e quem já se tinha por perdido sai vitorioso. Muitas vezes, somente a perseverança consegue ultrapassar o mal que se queda deitado e cansado de tanta euforia”.

                                                  continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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