SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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sexta-feira, 12 de agosto de 2011

TEMPESTADE - 95 (Conto)

TEMPESTADE – 95

                          Rangel Alves da Costa*


Assim que as mulheres saíram em debandada, na tentativa desesperada de aplacar seus pecados e se afastar das chamas ardentes da eterna fogueira, Teté entregou o caderninho a Tristão, este agora já completamente decidido a não ser mais seminarista, e se dirigiu aos pés da cruz, na parede ao fundo do altar.
Ali, ajoelhado diante da magistral imagem, ele baixou a cabeça, uniu as mãos em oração e disse baixinho, somente aos ouvidos do coração:
“Mais uma vez me perdoe Senhor, por eu ter pensado ser o dono dessa tempestade e de tudo que acompanha ela. Mas agora que bem sei quem tem o verdadeiro poder sobre tudo, sobre o universo e todas as forças da natureza, peço e imploro humildemente o cumprimento das palavras ditas lá na montanha. Se for confirmar a promessa feita, então me dê o dom de poder anunciar que essa terrível e destruidora tempestade já está indo embora e mais tarde, se já for tempo, o sol vai voltar a brilhar para o renascimento da vida nessas pessoas cheias de sofrimento”.
Em seguida se dirigiu até a porta e foi avistar, ver de perto como estava o tempo lá fora. E ao seu olhar o tempo começou a mudar, a chuva se abrandar e as intempéries perder a força. Foram calando os trovões, sumindo as faíscas dos raios e os relâmpagos e a ventania começou a tomar as feições de um vento normal, apenas soprando. Mas a chuva continuava ainda forte e assim porque junto com ela é que cairia o castigo para, a um só tempo, mortificar e transformar a vida daquelas pecadoras.
Verdade é que quando as mulheres saíram desesperadas no meio do tempo e começaram a se refestelar e a se banhar avidamente, a chuva caía sobre elas de um jeito diferente, pois se derramando em pingos de fogo sobre as vestes, vestidos, saias e blusas, e destruindo tudo completamente.
Era uma cena bizarra, triste, arrepiadora, mas aos poucos foram ficando completamente nuas, mas sem que o fogo atingisse nada da pele. A queimação consumia apenas as vestimentas. Assim haveria de ser e com a vergonha chegasse o reconhecimento pelos erros cometidos. E tantos eram os erros que a fumaça se misturava à chuva.
Desesperadas, aflitas, se vendo numa situação inteiramente impensada, pois sem qualquer cobertura sobre o corpos já devidamente estragados pelo tempo e pelas proezas mundanas, nuas como vieram ao mundo, saíram correndo em disparada pelas ruas, cada uma em direção à sua casa. A cada passo que davam mais a chuva se enfraquecia e as pessoas começavam a surgir pelas portas para ver adiante aquelas cenas impressionantes.
Um dizia, mas olhe que peito mais mole o de Rosinha; já outro ria de se acabar comentando sobre a bunda murcha de Filó; e ainda outro quase tem convulsão por tanta algazarra ao avistar as pelancas de Socorro. E tantos outros fizeram a festa ao ver o corpo pelancudo de uma, a bunda caindo de outra, os peitos murchos e balançando de todas.
Somente Minervina seguiu caminhando, imponente, nuazinha da silva, sem se importar com o que diziam ou gritavam, pois sabia que assim deveria ser para redimir parte dos seus pecados. No seu íntimo sabia que era melhor pagar pelos erros daquela forma, servindo de escárnio e zombaria perante todo mundo pelas ruas e mais tarde dentro da própria casa, do que ficar imprestável aos olhos de Deus e com o destino doloroso dos pecadores após a morte. E então que fosse assim, pagando na terra pelos erros aqui mesmo cometidos, dizia a si mesma enquanto seguia firme em direção à palmatória do marido tantas vezes traído.
Abraçada ao esposo Antonio, já se arriscando sair lá fora debaixo da chuva fraquinha, Fabiana avistou ao longe quando Tibúrcia seguia cruzando a rua feita uma desesperada, tropeçando aqui e acolá porque insistia em correr de cabeça baixa, envergonhada. Envergonhada e se desmanchando de medo. Logo atrás, para estranheza do casal que assistia a tudo de sua porta, vinha o marido da pecadora, correndo, afoito no seu encalço, gritando e levando na mão um chicote de couro cru.
E repentinamente as paisagens já passaram a tomar feições de alvorecer, de início de uma nova manhã, fato que há minutos atrás seria impensável se conceber. Não havia mais o canto do galo nem o cheiro do café torrado tomando conta dos ares do lugar, mas a vida principiava festiva com a meninada que corria por todos os cantos, brincando todas as alegrias, festejando talvez o mundo que não havia acabado..
Contudo, surgiu um grupo de meninos correndo que certamente não estava brincando, mas amedrontado, apreensivo, fugindo de alguma coisa. E atrás deles apareceu uma mulher descabelada, suja dos pés à cabeça, descalça, com as roupas em frangalhos e com as mãos cheias de pedras para jogar em quem encontrasse pela frente. Era Antonieta, completamente louca, ensandecida de não ter mais jeito, pagando na insanidade todos os pecados cometidos. Ao menos não reconheceria mais os seus erros e não se mortificaria espiritualmente.
Não demorou muito e o sol começou a aparecer lá por perto daquela montanha tão conhecida por Teté. Este não se fartava de contentamento, de pular e cantar, de dizer que enfim Deus havia cumprido com o que lhe havia prometido. Já ia começar uns passos de dança quando Tristão lhe puxou num canto e disse bem alto:
“Será que dá pra você me ouvir um minuto, ó todo poderoso? Pelo amor de Deus me acompanhe até a escolinha que quero sentir de perto como está a minha Suniá. Vamos até lá Teté que não suporto mais de aflição e de saudade. E você, pode acreditar, vai ser testemunha do que vou dizer a ela, de tanto amor que somente agora, que abandonei a vida de seminarista, ganhei coragem para confessar. Vamos logo, homem de Deus...”. E saiu quase arrastando o sorridente e inabalável maluquinho.
Chegaram à escola rapidamente, pois era muito próxima da igreja. De fora não avistavam nenhuma pessoa, nenhuma criança, nada que dissesse que por ali continuava alguém. E não encontrariam mesmo ninguém, pois bastou a chuva virar chuvisco que todo mundo, inclusive a professorinha, saiu correndo pra casa.
E a pressa maior da professorinha Suniá era precisamente para avisar à família da decisão tomada. Não haveria mais volta, entraria para um convento e se tornaria freira. Já estava decidida, abdicando de tudo aquilo que o seu coração tanto insistia em relembrar.

                                                      continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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