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quarta-feira, 24 de agosto de 2011

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 9 (Conto)

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 9

                                         Rangel Alves da Costa*


Temendo que a mulher tivesse um problema cardíaco, diante da agitação e nervosismo que passou a demonstrar, o advogado foi logo falando o que tinha descoberto que o havia deixado apavorado:
“Descobri que o juiz estava trabalhando sob pressão para concluir rapidamente aquele processo. Não só aquele, mas muitos outros. O tribunal já lhe havia repreendido pela demora nos seus julgamentos e ameaçava tomar medidas mais drásticas contra ele. Quer dizer, o processo envolvendo o seu filho Jozué foi praticamente atropelado porque o juiz estava com medo de ficar sujo no tribunal e mais tarde não poder pleitear uma vaga de desembargador. E então começaram os absurdos...”.
“Quais absurdos, doutor?”.
“Somente para citar alguns, direi que o juiz instruiu o processo praticamente sem ouvir as partes envolvidas. Ouviu Jozué porque seria impossível não fazê-lo, mas apenas um dos três policiais que fizeram a abordagem e o prenderam. Insistimos pela necessidade da ouvida dos outros, principalmente das vítimas lesionadas e roubadas pelo verdadeiro réu, porém o magistrado afirmou que já estava convencido da desnecessidade de ouvi-los, pois bastavam as provas testemunhais e documentais contidas nos autos. Ademais, havíamos requerido a prova pericial para a constatação que não havia falsidade nem rasura no documento de identidade de seu filho, mas novamente ele indeferiu. Não se pode esquecer que também foi negada a oitiva, a ouvida das testemunhas de defesa arroladas, todas. Mais uma vez o magistrado disse que indeferia pela irrelevância diante do seu convencimento. Quer dizer, praticamente não precisava nem do processo nem do procedimento instrutório, vez que seu filho, na mente do juiz e do promotor, já era culpado de véspera, como se diz. Enfim, tudo que pudesse ajudar o seu filho, servir como prova para ajudá-lo ele foi negando, indeferindo passo a passo, como se estivesse brincando, fazendo um mero descarte...”.
Dona Leontina nem conseguia mais olhar no rosto do advogado, mantendo-se de cabeça baixa, vertendo a sua dor. Mas conseguiu forças para perguntar:
“E o que o senhor fez para impedir que o juiz fizesse um negócio desse com o meu filho?”. E solenemente Dr. Auto Valente respondeu:
“Mas ora, minha senhora, tudo aquilo que um bom advogado deveria fazer diante da situação. Simplesmente nada. A senhora pode achar isso um absurdo, mas digo que em todos esses anos que tenho nas lides forenses nunca vi um juiz que esteja pressionado por um tribunal ser penalizado ou ter os seus atos refeitos pelo mesmo tribunal por causa de pedidos feitos por advogado. Ora, dando razão ao ato do juiz, por mais absurdo e ilegal que seja, simplesmente está fazendo com que o mesmo julgue mais rapidamente e o próprio tribunal não seja repreendido pelas esferas superiores por causa da lentidão nos processos. E principalmente hoje, que cada tribunal tem metas de julgamento a cumprir. E porque tem que dar satisfação lá em cima, aqui embaixo os processos são julgados a toque de caixa e repique de sino. Mas deixei tudo acontecer assim mesmo porque sabia que não haveria prova testemunhal ou perícia que mudasse o convencimento do juiz. Na verdade, tenho de dizer, naquela vara, muitas vezes, quem julga não é nem o juiz, mas o promotor, pois o que o órgão ministerial decide o outro assina embaixo. É um absurdo, mas é verdade. Mas como eu ia dizendo, deixei isso acontecer na esperança de reverter toda a situação em grau de recurso...”.
“Mas o senhor não fez nada para recorrer com meu filho solto, mostrando sua inocência e toda dor que está passando por causa do erro dos outros?”. De tão baixinha que foi pronunciada, o advogado quase não ouve tal pergunta, mas procurou responder logo, pois tinha compromissos urgentes dali há instantes.
“Como eu já disse, tudo que pudemos e estava a nosso alcance fizemos, mas o tribunal negou tudo. Negou principalmente dois pedidos de habeas corpus que fiz em nome dele. E por que negou? Simplesmente porque nos autos consta que o seu filho é aquele mesmo Jozué perigoso, com péssimos antecedentes criminais, procurado pela polícia, com um mandado de prisão nas costas. Tentei alegar inocência, constrangimento ilegal, falta de provas, tudo que tinha direito, porém não consegui nada. Somente em grau de recurso é que vou me esmiuçar mais, e se for possível fazer com que cada desembargador veja e sinta de per si a gravidade do erro cometido...”.
“Mas então, então o senhor quer dizer que...”. E Dr. Auto Valente quis logo dar um desfecho:
“Isso mesmo, quero dizer que seu filho vai ser não, já está condenado, como aliás já estava. Resta somente verificar a pena e correr atrás do recurso, se eu for continuar no processo...”.
“Como assim, doutor, como se for continuar no processo?”. E, já levantando, ele falou:
“Isto porque, minha senhora, o meu contrato com o Deputado Serapião Procópio para defender o seu filho se encerra com a sentença de primeiro grau. A senhora vai ter de procurá-lo para saber se pretende que eu continue acompanhando o caso. Se ele sinalizar que sim entrarei com apelação e com todas as outras medidas cabíveis. Mas se ele disser que vai pensar, então esqueça da ajuda dele. Então, a senhora, por conta própria, se quiser que eu continue como advogado do processo vai ter que pagar do próprio bolso...”.
“Mas doutor, eu só tenho as quinquilharia, os móvel velho da casinha onde moro. Até três porco que tinha já me desfiz para pagar transporte e outras coisa que o senhor dizia que tinha de pagar. Não tenho mais nada na vida”.
Enquanto colocava o paletó para sair, já de pé e perto da porta, o causídico afirmou: “Venda o que tiver e o que não tiver”.

                                                        continua...






Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com







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