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sexta-feira, 19 de agosto de 2011

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 4 (Conto)

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 4

                                         Rangel Alves da Costa*


Sentada no seu espaço de trabalho, mexendo em papéis, agendas e sempre voltada para o computador, a secretária de vez em quando olhava para as duas naquele estranho diálogo envolto em tantas lágrimas e queixumes. Estava acostumada com clientes que chegavam ali quase gritando seus problemas e agonias, mas sentia que algo muito mais doloroso estava presente naquelas duas senhoras.
Quando Dona Leontina pareceu já ter terminado a parte principal do seu relato, a sua nova amiga de dor e infortúnio, procurando um meio de torná-la mais calma, disse que infelizmente já não tinha mais confiança nas ações humanas diante de determinadas situações criadas pelo próprio homem, e que somente a infinita fé em Deus para se encontrar uma saída.
A mãe de Jozué confirmava tudo com a cabeça e sempre envolvida em se refazer das lágrimas que não paravam de cair. Mas num instante que pôde respirar mais tranquilamente perguntou à outra qual o problema que lhe afligia. E a mãe de Paulo, já procurando colocar seu estoque de lenços num lugar mais acessível, tomou primeiro um comprimido e depois começou o relato:
“Minha filha, Deus queira que eu consiga contar todo o sucedido sem me acometer nenhum mal, pois ando de um jeito que só de falar aos outros sobre a verdadeira armadilha que armaram pra o meu filho, fico em tempo de enlouquecer...”.
“Tenha forças amiga, tenha forças”, recebeu prontamente um incentivo de quem parecia já conhecer o caminho do calvário noutra situação. E segurando o lenço, passando-o nos olhos, a mulher continuou:
“Tenho um filho que se chama Paulo, um homenzarrão bonito, muito simpático mesmo, muito educado e inteligente, amigueiro e que sempre procurou viver ao lado de boas companhias. Antes do acontecido, como a senhora vai ficar sabendo, ele estava se preparando pra prestar vestibular pra arquitetura, pois o seu sonhos é projetar construções bem bonitas. Pois bem, foi através de uma amiga desse cursinho que ele passou a conhecer a sombrinha de um juiz. Nem filha do juiz é, mas de um irmão dele. E mesmo que fosse filha de juiz, delegado, ministro, desembargador ou presidente da república não ia mudar em nada enquanto pessoa, pois a pessoa é o que é e não pelo cargo ou função que o pai ou parente exerça. E aconteceu, minha senhora, dessa mocinha, bonita também a pestinha, se engraçar do meu filho. E conversa vai conversa vem, um encontro aqui e outro ali, sei que começaram a namorar. Não era bem um namorão não, mas apenas um chameguinho de rapazinho e mocinha. Quando o meu filho Paulo me disse o que estava acontecendo, que estava gostando de uma mocinha e me disse sobre quem se tratava, eu logo disse a ele e até implorei que deixasse aquele namoro, que namorasse sim, mas com uma menina do nível social dele, que tivesse a mesma condição financeira ou mesmo que fosse mais pobre do que a gente, pois eu nunca tinha ouvido falar que família rica aceitasse de bom grado que filha sua namorasse com gente pobre, ainda que muito mais honesta do que vinte rapaz rico num só. E disse isso a ele, implorava e repetia sempre que esse negócio não ia dá certo, pois assim que a família dela soubesse ia fazer o que fosse possível e impossível pra afastar os dois, ia utilizar de todas as ferramentas que pudesse para vê-los bem distantes. Mas meu Paulo estava gostando demais dela e não ouviu tudo o que disse, pois continuou o namoro com a ricaça...”.
“E os pais dela ficaram sabeno?”, indagou Leontina, já temendo pelo pior. E Glorita prosseguiu, com o lenço já devidamente molhado:
“Pelo visto logo ficaram sabendo e não gostaram nem um pouquinho dessa história, pois, segundo Paulo me contou, a primeira coisa que fizeram foi dar uma surra nela que era pra deixar de andar se encontrando com gente pobre, morador de bairro distante e que nem emprego bom tinha. Falaram do sobrenome de pobre que a gente tinha, humilhou mesmo. Coitado do meu filho que só havia conseguido um emprego de ajudante num escritório de arquitetura. Mas como ela gostava muito dele, contrariou a raiva dos pais e continuaram se encontrando nos escondidos. Os pais, que já tinham botado investigador nos passos dela, quando souberam que ela não tinha deixado de se encontrar com Paulo então mandaram ela pra casa de uns parentes em outro estado. Mas quando se pensava que com a viagem forçada da mocinha a história ia acabar então é que tudo começou a piorar, mas agora pra cima do meu filho...”.
“Mas meu Deus do céu, o que a família dela fez com o seu filho?”, indagou Leontina, com o rosto dos angustiados e as mãos trêmulas no compasso entre segurar o lenço e levá-lo aos olhos. E com a voz entrecortada, quase sem poder falar, a mãe do rapaz disse:
“A família dela, que é muito poderosa também no meio político e no judiciário, se armou desse poder dos ricos e endinheirados para destruir totalmente a vida do meu filho, como se ele tivesse feito alguma coisa ruim com a filha deles, a tivesse maltratado, judiado da bichinha ou forçado a namorar com ele. Verdade é que com a ajuda da parte mais corrupta da polícia arranjaram um meio de preparar um flagrante para o meu filho...”.
E a outra ficou a ponto de enlouquecer: “Mai como foi isso?”. E a secretária, já percebendo que a coisa não ia bem naquele diálogo, já havia providenciado e estava fazendo com que Dona Glorita bebesse um copo de água. Mas num instante esta prosseguiu:
“Chegaram uns homens num carro da polícia, prenderam o meu filho dizendo que ele era traficante e assaltante. Mas primeiro encheram os bolsos dele de drogas e de dinheiro roubado e depois levaram ele algemado para a delegacia. Na delegacia, como a senhora já relatou com relação a seu filho, recebeu as mais terríveis torturas para confessar o que não havia cometido. Depois meu filho foi mostrado pela imprensa escrita e a televisão como um grande traficante e ladrão perigoso que havia sido preso. E tudo isso feito pela própria polícia a mando da família da mocinha. E até agora meu Paulo continua preso, sem ter nada da justiça que possa ser a favor dele, nenhum um pedido e nenhum recurso judicial, pois tudo que se faz é negado por influência do juiz, que é irmão do pai da mocinha”.

                                                   continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com 



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