OS VIVOS E OS MORTOS
Rangel Alves da Costa*
Faz parte dos costumes e até mesmo da cultura de determinados povos o temor pelos mortos. A grande maioria das pessoas não suporta que se fale em morte, em defunto, em cemitério, em assombração.
O povo não gosta desses assuntos, mas não deixa de admirar filmes de terror, onde sempre há uma meia-noite, uma sexta-feira treze, um cemitério abandonado, uma encruzilhada, uma noite silenciosa e amedrontadora, uma mão que surge da terra, uma sombra na escuridão.
Tem gente que não perde um filme desse tipo, porém não passa de jeito nenhum na rua que tenha um velatório, um instituto médico legal, um necrotério, um cemitério. Também evita passar diante da casa onde um morto esteja sendo velado ou numa rua onde esteja passando um cortejo fúnebre.
Por outro lado, conheço muitas pessoas que se encantam, ficam felizes e sorridentes quando sabem que alguém morreu de morte natural. Para estes será igual a uma festa, com a visita à casa da família, as conversas interessantes, as fofocas rotineiras o que conhecimento dos males e pecados de todo mundo a partir dali. Sem esquecer os aperitivos, as bebedeiras.
Não se pode também esquecer que muitos destes, destes festeiros pela morte, chegam aos velórios e muitas vezes dão parabéns ao invés de pêsames, cumprimentam os familiares como se fosse num evento comemorativo e nem sequer lembram-se de ao menos olhar para o morto ali estirado, acender uma vela, tecer uma oração cristã em favor da pobre alma.
Certa feita morei num pensionato e bem ao lado existia uma grande funerária, talvez a melhor da capital. Nunca tive problemas nem com funerárias, caixões ou flores artificiais, mas não deixava de ficar aborrecido com o modo pelo qual o dono da funerária, que se tornou meu amigo, tratava aqueles objetos, num desrespeito absurdo.
Bebedor de uísque que só, virando todas ali mesmo na funesta loja, de repente os empregados me chamavam para que eu prestasse mais um favor. Entrava no recinto e já sabia o que iria encontrar: o danado do homem deitado tranquilamente num caixão, de copo na mão, como se estivesse numa confortável banheira, sorridente e zombateiro. Outras vezes o encontrava completamente estirado no ataúde, dormindo que chegava a roncar, completamente bêbado.
Conheço gente que faz verdadeiros passeios pelos cemitérios. Admira passear entre os túmulos, ajeitar os vasos de flores, reacender as velas, olhar datas e fotografias, se deparar com suntuosidades e com esquecimentos. De vez em quando senta num mármore gelado e fica, entre os mortos, pensando na vida e imaginando coisas alegres e tristes, pessoas que se foram tão jovens e outras tão abandonadas pelos seus familiares.
Quando vem uma lágrima não é nem é apenas de saudade, de dor ou tristeza, mas do pensamento que vai concluindo como o ser humano é tão frágil, é tão vorazmente tudo e de repente nada, tão chorado momentaneamente e no outro instante apenas um túmulo com flores colocadas por outras mãos que por ali passaram e alimentaram esse jardim sem vida.
Essas pessoas convivem com os cemitérios como se estivessem caminhando pelos seus destinos. Porque são conscientes desse inafastável caminho, sabem que não podem temer nada do que elas mesmas serão amanhã. Sabem que os mortos não levantam dos seus túmulos, não atormentam ninguém, não voltam para perseguir ou assustar quem quer que seja, mas apenas que anseiam pela oração e o reconhecimento dos seus.
Por isso mesmo tem muita gente que procura a paz na paz de um cemitério, no seu silêncio, no seu significado, perante a história existente por trás ou debaixo de cada pedra. Mas sabem que aquelas flores, aquelas velas, aquelas fotografias, aqueles corredores, são como extensões da vida lá fora: um jardim, um lindo jardim de um dia, mas cujas flores radiantes sabem que chegará o outono. Nessa estação, as folhas caem e vão repousando sem vida num leito qualquer. Às vezes parece a vida, às vezes...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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