SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 12 de agosto de 2011

NO TEMPO DOS CANDEEIROS (Crônica)

NO TEMPO DOS CANDEEIROS

                                Rangel Alves da Costa*


“Candeeiro alumiou é porque noite chegou, tranque a porta e a janela, não sai mais uma donzela, senão bicho escondido abre a boca e come ela”. Assim cantava o velho sertanejo, embaixo da luz do luar, olhando pra dentro de casa, vendo tudo pela luz do candeeiro.
Depois da luz do sol e da lua, não tem luz mais importante do que a do candeeiro, já dizia o franzino sábio de moita e caroá. Quando nos tempos passados, noite de breu sertão adentro, nas lonjuras de meu Deus se avistava uma casinha escondida, de outro modo não era senão por causa do amarelado fosco da luz do candeeiro.
Feito de lata, de bojo maior ou menor, cabendo coisinha pouca de querosene, com bico estreito ou mais cumprido, é só colocar o pavio trançado de algodão e acender com uma tocha ou fósforo que o bicho vai pegando de fininho, primeiro num tantinho azulado de fogo, para depois avermelhar e soltar pequenas faíscas, até se aprumar como luz. E a luz amarelada vai tomando conta do ambiente e deixando a noite menos sombria.
Se não fosse a luz do candeeiro Sinhá parteira não tinha conseguido puxar o menino lá pela uma hora da madrugada. Deitada no quarto, gemendo de não acabar mais, quando o marido aproximou o candeeiro viu que a mulher tinha o rosto crispado de dor e suava de não acabar mais.
Ia parir a qualquer instante. Pendurou o pavio luminoso na parede de barro e saiu num galope atrás da parteira. Assim que esta entrou no quarto e mandou que ele segurasse o candeeiro perto dela, não demorou muito e o choro se espalhou pela escuridão sertaneja. Olhando aquele velho rosto através da luz, o satisfeito pai nem sabia o que dizer daquela verdadeira mãe de tantas vidas sertão adentro.
Pai de família tinha que economizar o que podia no querosene do candeeiro. Na casa de quatro cômodos, bastava um aceso na sala da frente e outro na cozinha. Quanto fechava as portas e todo mundo ia dormir ficava somente um aceso, que era o da sala. Contudo, tinha ocasião que não tinha jeito mesmo e a prudência mandava que quanto mais luz iluminando a casa mais segurança ela trazia.
Isso ocorria sempre que o namorado da filha mais velha aparecia por lá de noitinha. Já tinha falado com ele que evitasse aparecer depois que a lua saísse, mas o danado apaixonado pela morena trigueira de vez em quando riscava o cavalo por ali já no breu. Fazer o que. A única coisa que fazia era logo trazer dois candeeiros para a sala e colocá-los em locais bem estratégicos para que nenhuma mão boba fosse deslizando escondida nem um beijo mais lambido fosse roubado.
Mas a luz do candeeiro era e continua sendo, ao menos aonde a lâmpada ainda não chegou, luzir de tristeza, angústia, solidão. O simples gesto de acender o pavio, de ver a chama brotar e aquela luz começar a tomar proporções, já é por demais dolorido. E tudo porque o passo seguinte é sentir como se aquela luz embaçada se espalhasse chamando o passado, trazendo recordações, juntando saudades, angustiando o peito.
Juntando a noite com suas possibilidades de angústias, viver os instantes da noite do candeeiro não é pra todo mundo que tem coração fraco. A mulher senta na varanda, do lado de fora da casinha, porque lá dentro é muito solitário para tantas recordações que se juntam num só momento. O seu homem também está ali fora, debaixo da luz da lua, dolentemente dedilhando sua viola e espalhando suas mágoas nos versos que se espalham pela escuridão.
Seja como for, sem o candeeiro e sua luz as noites sertanejas seriam mais tristes e mais longas. Candeeiro trepado por ali e ao redor a família reunida; ela debulhando o feijão, ele ajeitando a sola de um sapato e a filha escrevendo uma carta de palavras escondidas. Se alguém bater na porta lá se vai o candeeiro na frente, que é pra iluminar a porta e reconhecer o rosto de quem chega. A comadre veio perguntar se tem folha de mastruz que é pra cuidar de um menino com um machucado. A casa é sua comadre, entre.
E lá fora os vagalumes zanzeiam ciumentos, brilhando por todo lugar, dando vida à escuridão, pulsando a noite desse sertão.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com 

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