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terça-feira, 16 de agosto de 2011

SAUDADE DE QUEM FICOU (Crônica)

SAUDADE DE QUEM FICOU

                                   Rangel Alves da Costa*


A mera presença física de alguém, o fato de uma pessoa estar em algum lugar, não é suficiente para se dizer que ela pode ser encontrada, vivenciada, vivida, compartilhada. Pelo contrário, certas pessoas que jamais saíram de onde estão continuam mais ausentes do que as que partiram.
A pessoa continuar presente e viver ao lado de outra como se esta não existisse, não estivesse ao lado, não fosse nada nem ninguém, é realmente complicado. Numa situação dessas, não é difícil que o ignorado até passe a achar melhor que a pessoa tivesse morrido, viajado ou sumido dali de vez.
Com a morte, todo mundo sabe, há uma viagem forçada e uma ausência que, ou mais ou menos, será sempre sentida. Muitas vezes nem pelo que a pessoa representava, mas pela simples ausência, pelo vazio que deixa e pelo pensamento que vai reencontrando a partir das lembranças de situações vividas.
Se a pessoa que está ao lado não dá a mínima à outra, não é coisa do outro mundo que a que se veja como indiferente tenha realmente vontade que aquela desapareça de vez. Na verdade, o que no primeiro momento é apenas estranheza vai se tornando em raiva, ódio mesmo. E tudo porque não sabe o que fez ou faz para ser tratado assim. Mas eu não fiz nada para ser tratado assim, é a primeira coisa que começa a pensar.
Não é fácil saber o que motiva uma pessoa a agir assim, simplesmente passando a fazer de conta que a outra, que vive a seu lado, não existe. Ora, toda briga de relacionamento é quase sempre passageira, toda raiva familiar também, toda desavença mais cedo ou mais tarde é resolvida. A continuidade desse distanciamento é que se torna num problema sério, mas talvez apenas para o que se sente repelido.
Contudo, como tudo na vida há um limite de suportabilidade, de repente a pessoa chega pra outra e diz que precisam ter uma conversa muito séria, pois necessita saber o que fez para que a outra venha lhe tratando assim, sempre com indiferença e distanciamento, como se ela não estivesse ali ou simplesmente não existisse. Chegou a hora de resolver logo a situação.
E diz que sempre lhe tratou bem, deu a devida atenção em todos os momentos que precisou, jamais se ausentou quando necessitava, nunca se escondeu, negou ou omitiu em nada. Por isso mesmo é que precisa saber por que de uma hora pra outra, sem ter qualquer justificação, se sente tão desprezado, verdadeiramente abandonado. E vai tecendo outras considerações de quem realmente se sente diminuído, quase nada, um nada.
E só após muitas alegações é que a outra pessoa começa a falar, não propriamente para contradizer, refutar os sentimentos do outro, mas apenas para dizer que aquele era o verdadeiro culpado por tudo isso estar acontecendo. E nessa perspectiva começa então a entrar no mérito da questão e esquadrinha tudo aquilo que possa mostrar sua razão.
E diz que era de estranhar que agora se sentisse abandonado, desprezado, tratado como se não existisse ou simplesmente fosse inexistente. E ela, que sempre foi vista e tratada como sombra, névoa, nuvem ou miragem, nunca pôde relatar o que sentia simplesmente porque ninguém queria lhe ouvir. E pergunta se dói uma pessoa estar ali ao do outro e ser renunciada em tudo, não lhe cabendo nem um olhar nem uma palavra.
E pergunta quantas vezes ele chegou e saiu sem ao menos dar um bom dia, boa tarde ou boa noite; se lembra da última vez que disse aonde ia ou quando, ao menos, disse adeus. E por último diz que aprendeu com o silêncio ficar em silêncio, quieta, absolutamente solitária naquele mundo de dois. Por medo de falar e não saber o que poderia ouvir como resposta, teve um momento que quis dizer que sua camisa estava suja de batom, mas ficou calada.
E por muito tempo os dois ficam cabisbaixos, silenciosos, pensativos. Depois uma mão colocada sobre a mão do outro, um olhar, um abraço. Um duplo erro reconhecido. E o grito...



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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