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sexta-feira, 26 de agosto de 2011

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 11 (Conto)

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 11

                                         Rangel Alves da Costa*


Já na rua, no momento da despedida, vez que seguiriam para lados opostos na cidade, Glorita se virou para Leontina e perguntou o que ela pensava em fazer agora. E esta, na simplicidade e humildade características, respondeu de cabeça baixa:
“Só não quero morrer nem enlouquecer. O resto tenho de suportar como sertaneja, mãe e muié sempre esperançosa em Deus. Tem aquela história dizeno que nada mió um dia depois do outro. Meu menino é inocente, todo mundo sabe. E mermo que ninguém aquerditasse bastava eu que sou mãe pra aquerditar e pronto. Quano a mãe sabe que o filho está pagano pelo que não fez, que é inocente, que não tem culpa de nada, então não há de temer nada. Os homem até que pode condenar, mai ele já vive perdoado no meu coração. E mermo que ele continue preso e até demore pra sair, não tem nada não. Um dia ele vai sair, disso tenho certeza, e bem vivo pra continuar trabaiando. Só digo mai uma coisa, quem faz aqui não paga nouto lugar não, paga tudinho aqui mermo, e bem pago, nem que seja um dia mai tarde. E todos esse que fizeram maldade com meu Jozué vai ter o que bem merecer, assim tá escrito minha amiga, assim tá escrito...”.
Glorita, chorosa mais uma vez pelas sábias palavras da mãe sofredora, fazia para si as mesmas considerações, e por isso mesmo não quis dizer mais nada por enquanto. Noutros momentos, quem sabe. Apenas deu-lhe um forte abraço, desejou boa sorte e seguiu rumo ao seu ponto de ônibus. A outra faria o mesmo noutro lugar.
No escritório, sem que ninguém tivesse aparecido depois que as duas mães saíram, a jovem Carmen foi até o móvel onde ficava guardada a documentação sobre os processos em andamento e julgados, e lá recolheu as duas pastas relacionadas a Jozué e Paulo. Nestas pastas, com a indicação do nome do cliente, do tipo de ação e do número do processo nas capas, estavam as cópias xerocopiadas de tudo que havia sido produzido naqueles feitos, desde o inquérito até o último movimento.
Colocou as duas pastas sob o seu birô e começou a folhear cuidadosamente página por página, peça por peça. No processo de Jozué encontrou muita coisa estranha, esquisita mesmo. E só para não ficar com dúvidas, deixou o primeiro processo pela metade e passou a analisar o referente a Paulo. Ora, mas os mesmo erros, os mesmos absurdos, que mesmo ainda não estando formada nem ter experiência profunda sobre defesa processual, sabia que não era assim que se fazia.
Na sua visão, até o mais descuidado e negligente estagiário sabe que os prazos processuais, por dar cumprimento e movimentação ao processo, devem ser observados e cumpridos ao pé da letra, segundo prescreve a lei, sob pena de se perder a oportunidade de se fazer uma correta defesa e requerer o que for necessário. Mas ali, tanto num caso como no outro, o Dr. Auto simplesmente havia deixado diversos prazos fluírem sem peticionar sobre nada, sobre os despachos e as decisões do juiz. Quer dizer, oportunidades importantíssimas de defesa simplesmente foram negligenciadas e, consequentemente, perdidas.
Meu Deus, como isso tudo pode ter ocorrido, como o Dr. Auto deixou isso passar em branco, não peticionou, não fez praticamente nada, deixou os dois rapazes prejudicados. Pensava raivosa a mocinha. Efetivamente, fora os pedidos de relaxamento de flagrante e de liberdade provisória, bem como um habeas corpus, feitos em nome de Paulo, e um pedido de liberdade provisória e um habeas corpus em nome de Jozué, outras peças essenciais não foram produzidas.
E pelos excessos de prazo, pela continuidade descabida do constrangimento ilegal, pelos diversos indeferimentos feitos pelo juiz, pela negativa na nomeação de perito e da ouvida de testemunhas, logicamente que caberiam outros remédios jurídicos, tais como o próprio habeas corpus e o agravo. Mas não, o essencial foi simplesmente deixado pra lá, e era por isso mesmo que aqueles processos estavam no estado que estavam e certamente os dois seriam condenados. Na condenação, não só o juiz e o promotor expressariam o seu convencimento, mas também o próprio advogado, que ao invés de defender com responsabilidade e inteligência os outorgantes, simplesmente fez um arremedo de advogado.
Fez algumas anotações, tirou algumas cópias de documentos ali mesmo no escritório, e quando já se encaminhava para guardar as pastas recuou porque o telefone tocou. Como demorou um pouco a atender, assim que levou o aparelho ao ouvido percebeu que no outro lado da linha estava o Dr. Auto e que este dizia “É isso mesmo Serapião”, sem perceber que ela já havia atendido.
O telefonema foi apenas para saber se Glorita e Leontina haviam comentado em continuar com os processos pagando do próprio bolso. Diante da negativa de Carmen ele rapidamente desligou. Até aí ela não achou nada demais, principalmente diante do que acabara de constatar. Mas o que realmente a deixou intrigada foi saber que ele havia mentido, que não tinha ido a fórum algum, mas se encontrar com o Deputado Serapião Procópio. Mas por que, e logo naquele dia?
Na Assembleia Legislativa, no gabinete do deputado os dois conversavam reservadamente. “E agora, deputado, o que o senhor pensa em fazer. Atender os de lá de cima ou os de lá de baixo?”, perguntou o advogado, ao que o parlamentar respondeu:
“Estão me pregando novamente na cruz. Sinto esse lugar que sento agora esfriar e também o meu bolso mais vazio. Mas nem posso perder essa cadeira nem deixar meu bolso sem a ajuda dos amigos. É danado, é verdade, pois estou entre a cruz e a caldeirinha, se correr o bicho me pega, se ficar o bicho me come. O que o senhor acha Dr. Auto, devo ficar com o povo que vota em mim ou com a burguesia influente que traz facilidades?”.

                                              continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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