SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A CEIA DA ESPERANÇA (Crônica)

A CEIA DA ESPERANÇA

                                  Rangel Alves da Costa*


Enraizou-se culturalmente a ideia da celebração do natal tendo sempre uma mesa farta para alimentar e brindar a família e os amigos. No passo da secular tradição, massificou-se a tendência de que somente a mesa abundante não basta sem antes haver a distribuição de presentes.
Ora, quem pode se fartar e presentear com o que bem entender, é justo que o faça. Por ser tradição, muitas vezes as pessoas se esforçam e vão além dos limites de suas possibilidades econômicas para não fugir do contexto. E pensam que se todo mundo faz, não seria merecido que ficassem alijadas da festança e da comilança.
Pobres ou ricas, com maiores possibilidades ou não, verdade é que a grande maioria das pessoas transforma o natal e as celebrações de fim de ano apenas num evento onde serão demonstrados o glamour e a abundância. Fazendo desses momentos experiências meramente materialistas e comerciais, acabam até por esquecer o porquê da existência do natal e da importância da passagem de ano.
E por isso mesmo muitos se endividam até o final do ano seguinte para o grande banquete e a troca de presentes. Verdadeiros barracos se iluminam para a mesa que será posta; as residências se enchem de luzes para o evento de cores, sabores e qualidades; as mansões tilintam de taças e talheres importados, gulodices afrancesadas, demasiado luxo para o que não sabem nem o que estão confraternizando.
As compras são muitas, pois o cardápio tende a ser muito variado. Perus, pernis, chesters, tenders, bacalhaus, camarões, peixes, queijos do reino, vinhos, uísques, refrigerantes e sucos, champanhes, saladas, tortas, bolos, doces e salgados, panetones, conservas e reservas importadas. Velas espalhadas pela mesa, mas não como motivo natalino nem como oferenda religiosa, e sim para enfeitar as detalhadas arrumações.
Nessa noite ninguém lembrará mais do pão com manteiga, do cuscuz com ovos, do café com leite, da macaxeira ou inhame com carne torrada, da bolacha, do pedaço de queijo de coalho, do bolo de ovos ou de leite. Ninguém lembrará que a fome se dissipa com o que se tem como alimento e não pelo preço ou enfeite do prato colocado à frente. E o pior é que ninguém se lembra da sua real condição econômica, de suas contas a pagar, de seus tantos negócios a resolver.
Logicamente que são momentos únicos – natal e ano novo – e que por isso mesmo devem ser celebrados, comemorados, confraternizados. Contudo, exatamente nesse período que tanto se elevam os sentimentos e muito se fala em amor, amizade, confraternização e comunhão, é que a competitividade começa a transformar os corações. E por isso tudo tem de ser o melhor, o mais bonito, o mais abundante, o mais luxuoso.
Muitos esquecem, eis que a grande maioria sempre esquece, mas não muito distante dessa sala onde será exposta a luxuosa mesa, haverá uma outra sala de barro, de reboco, de madeirite, de papelão pregado em pedaços de pau. E também um povo que faz das festas natalinas um raro momento de confraternização consigo mesmo e com a linhagem que corre nas veias.
O papai Noel sempre acha o lugar muito distante e nunca vai até lá; com a seca terrível que se abate, nem um pé de pau folhado servirá como árvore de natal; as luzes que piscam ao anoitecer são apenas da imensa lua que moldura esse mundo; os presentes são trocados apenas no olhar, no abraço apertado, no dengo. Mas a ceia, esta sim, é sempre muito mais grandiosa do que qualquer outra da cidade grande.
A grandiosidade da ceia está na esperança que ela representa pelo pouco ter ou nada ter sobre a mesa, dentro dos pratos, aos olhos. Cada um se serve apenas do que sobrou para aplacar a fome noturna, e tudo com jeito de pão e manteiga, cuscuz com uma caneca de café, e apenas isso. E porque sabem que é noite de natal e que este representa o nascimento e permanência da cristandade, é que se enchem de fé e esperança tamanhas que ninguém diria que não receberam o ouro, o incenso e a mirra.
E louvam e agradecem a Deus para que a ceia da esperança esteja sempre à mesa, ainda que dentro de um prato com apenas um pedaço de pão. E que natal eterno e abençoado esse do meu povo sertanejo.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com           

Nenhum comentário: