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domingo, 1 de julho de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (67)

                                       
                                                   Rangel Alves da Costa*


Crisosta, no devaneio sonhado, corria em direção ao mato com toda a força que tinha. Estava apressada demais, querendo logo alcançar aquela pessoa misteriosa que havia jogado a pedra na sua porta e desaparecido em seguida, fugindo naquela direção.
Quando entrou na mataria, agora se vendo em meio a dificuldades dos garranchos, paus e pedras, e ainda querendo aumentar a velocidade, tocou o pé em alguma coisa e caiu estatelada no chão. Com a frente do corpo na terra, a cabeça enfiada no mato rasteiro, quase ferida por espinhos, tentou levantar e não conseguia.
Talvez estivesse com a perna ou o joelho machucado. Não sabia bem onde era, apenas que doía muito e impedia de levantar. E eis que duas mãos seguram em cada um de seus braços e a colocam sentada, pronta para levantar. Ainda sentada, de cabeça baixa, olhou rapidamente para um lado e enxergou dois pés. Virou os olhos para o outro e viu mais dois pés. Então ali estavam duas pessoas, pensou rapidamente.
Levantou apressadamente, num susto descomunal, e se afastou um pouco pra trás antes de olhar quem eram aquelas duas pessoas. E quando decidiu fixar o olhar as pessoas já estavam desaparecendo numa espécie de névoa, para em seguida sumir de vez. Mas ela não teve dúvidas de ter reconhecido naquelas duas pessoas dois conhecidos: o menino caçador e o seu irmão.
Nesse momento despertou do sonho, um pesadelo talvez, e deu um pulo na rede que quase despenca lá de cima. Estava toda tomada de suor, assustada, com o corpo queimando, sem saber o que fazer. Passou a mão pelos olhos para melhor enxergar, olhou pra cima pra ver se via alguma claridade pelas falhas do telhado, mirou as frestas da porta e da janela, mas percebeu que tudo ainda estava escuro. Talvez fosse madrugada, ou antes disso, pensou aflita.
Mas resolveu que não continuaria ali pensando naquela coisa horrível que lhe havia chegado à mente. Ademais, depois do que tinha vivido não conseguiria mais dormir de jeito nenhum. Tinha que descer da rede, fazer alguma coisa, esperar o tempo passar e esperar o amanhecer. Na claridade certamente estaria mais segura e teria mais encorajamento para refletir sobre tudo.
Foi em direção ao candeeiro mais próximo, segurou-o com a mão e caminhou para o seu quarto. Não foi difícil achar a velha Bíblia, pois a mesma sempre colocada ali numa banquinha da cabeceira da cama. Cama, aliás, que nem usava mais para dormir, pois gostava muito mais de se estender na rede armada na sala da frente.
Apanhou o livro sagrado e voltou até a sala. Sentia que necessitava ler alguma passagem bíblica para buscar encorajamento, tentar esquecer aquela coisa horrível sonhada. Puxou a cadeira pra perto de outra banquinha, colocou aí o candeeiro e abriu o livro numa das tantas páginas marcadas com folhas secas. E leu, devagar e compassadamente, como sabia fazer:
“O Senhor é minha luz e minha salvação, a quem temerei? O Senhor é o protetor de minha vida, de quem terei medo? 2. Quando os malvados me atacam para me devorar vivo, são eles, meus adversários e inimigos, que resvalam e caem. 3. Se todo um exército se acampar contra mim, não temerá meu coração. Se se travar contra mim uma batalha, mesmo assim terei confiança. 4. Uma só coisa peço ao Senhor e a peço incessantemente: é habitar na casa do Senhor todos os dias de minha vida, para admirar aí a beleza do Senhor e contemplar o seu santuário. 5. Assim, no dia mau ele me esconderá na sua tenda, ocultar-me-á no recôndito de seu tabernáculo, sobre um rochedo me erguerá. 6. Mas desde agora ele levanta a minha cabeça acima dos inimigos que me cercam; e oferecerei no tabernáculo sacrifícios de regozijo, com cantos e louvores ao Senhor. 7. Escutai, Senhor, a voz de minha oração, tende piedade de mim e ouvi-me. 8. Fala-vos meu coração, minha face vos busca; a vossa face, ó Senhor, eu a procuro. 9. Não escondais de mim vosso semblante, não afasteis com ira o vosso servo. Vós sois o meu amparo, não me rejeiteis. Nem me abandoneis, ó Deus, meu Salvador. 10. Se meu pai e minha mãe me abandonarem, o Senhor me acolherá. 11. Ensinai-me, Senhor, vosso caminho; por causa dos adversários, guiai-me pela senda reta. 12. Não me abandoneis à mercê dos inimigos, contra mim se ergueram violentos e falsos testemunhos. 13. Sei que verei os benefícios do Senhor na terra dos vivos! 14. Espera no Senhor e sê forte! Fortifique-se o teu coração e espera no Senhor!”.
Após a leitura do Salmo 26, respirou profundamente, limpou uma lágrima que caía do olho e levantou. Colocou a Bíblia sobre a mesinha e se encaminhou para a porta, não se importando que tudo ainda estivesse escurecido lá fora.
Continua...


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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