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terça-feira, 24 de julho de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (90)


                                                  Rangel Alves da Costa*


Após a interessante indagação de Crisosta, num gesto de intensa expressividade, como se o amor lhe fosse algo totalmente inalcançável, a querubim falou cheia de contentamento:
“Mas claro, minha jovem, você encontrará o amor sim e será muito amada. Com acerto dizem aqui na terra que o amor é sentimento permitido a todos indistintamente. Não há ser humano que não tenha nascido com o sentimento amoroso, com o senso de procura pelo outro, pelo compartilhamento que pretende ter amorosamente. Ademais, linda como você reconhecidamente é, um verdadeiro anjo ainda na flor da idade, uma mulher cheia das melhores virtudes, sem inclinações pecaminosas nem tendências desviantes, haverá de logo lançar o olhar ao amor que está à espreita, mais perto do que se imagina. Basta estar preparada para o amor que ele virá no tempo certo, assim como um anjo que chega na brisa e de repente já é o moço bonito tão esperado...”.
“Não nasci para o amor, para amar, para nada. Nunca saí daqui, nunca olhei bem pertinho do olho de qualquer homem, nunca beijei, nunca abracei, não sei nem como se deve namorar. Além disso, só se fosse um anjo mesmo chegando na brisa, pois dificilmente eu encontraria alguém nesse fim de mundo”. Disse a anfitriã, para alegria da visitante, que sentiu nas palavras a essência do que desejava ali. Por isso mesmo falou:
“Agora sim, agora se aproximou da essência do que tenho a fazer aqui, que é justamente mudar esse pensamento, mas não porque eu tenha poderes para tal, e sim porque você já está pronta para a felicidade, incluindo-se aí o amor. Você jamais poderá esquecer uma coisa: quando Deus permitiu o seu retorno, a fez renovada, uma nova mulher, pronta para ter outra vida. Se fosse para continuar como antes você nem teria voltado, teria ficado no mundo dos mortos. E se continuar se achando menor, pequena, triste, pessimista, incapaz de amar, chorando pelos cantos, se lamentando dia e noite, num cotidiano repleto de angústias e aflições, então será chamada novamente. E dessa vez não haverá volta. Se continuar com tantos pensamentos negativos, afastando-se cada vez mais do melhor da vida e da idade, então a divindade certamente não lhe dará outra chance. A sua próxima morte será morte realmente, morte total, plena, sem retorno. Mas ao escolher viver e daqui em diante lembrar da chance que lhe foi concedida, então aos poucos perceberá que a cada nova manhã, a cada novo dia, uma coisa diferentemente boa aparecerá ao seu redor, basta querer que seja assim. E aí bela moça, posso retornar e dizer que você já está plenamente consciente do que deve fazer e como se comportar por aqui, posso afirmar lá em cima que aquela moça tristonha não existe mais e em seu lugar vai surgindo aos poucos uma verdadeira flor, uma mulher cheia de esperanças e semeando sempre a felicidade? Posso?...”.
“Pode. Mas antes de partir só quero que me ensine uma coisa: o que primeiro devo fazer para ser essa outra mulher, renovada e buscando sempre a felicidade? Por favor, me diga...”. Disse quase chorando a bela agrestina. Antes de abraçá-la, a visitante olhou-a bem nas distâncias dos seus olhos e disse com voz angelical:
“O que deve fazer? Nada diferente do que possa e deva fazer. Deve ser apenas você, mas você como merece ser. Nos últimos anos, o que andou fazendo foi invertendo a ordem das coisas. Os seus olhos não estavam querendo enxergar as coisas belas, mas apenas o lado mais doloroso de tudo; o seu coração não se enchia de outra coisa senão de angústias; o seu sorriso ficou esquecido, a sua felicidade desapareceu, a sua esperança parecia não existir mais. Mas agora o que passou é passado. O seu pensamento será tomado por boas ideias, a sua manhã virá acompanhada de contentamento, a sua vontade de realizar jamais recuará no medo. Basta querer que seja assim e será. E a cada dia sentirá mais força, mais encorajamento, mais alegria de viver. E daqui a uns tempos retornarei para sorrir ao seu lado. Agora tenho de partir. Promete-me que cumprirá o que pedi? Prometa-me. Prometa-me que alguém lá em cima, e que a esse momento nos vê, sente e ilumina, ficará muito contente. Agora adeus...”.
E ainda sorrindo, suavemente gesticulando, foi se dissipando no ar, se dispersando dentro de uma nuvem. E desapareceu completamente. Mas Crisosta ainda ouviu sua voz:
“Procure seu amuleto. Sua pedrinha está bem perto daí. Faça o que os seus dois amigos pediram. Na pedrinha encontrará o portal que tanto precisa ter aí ao seu lado”.
Ela olhou de lado a outro para ver se enxergava a dona da voz, a visitante, mas não encontrou mais nada. A voz vinha do alto e ecoava ali. Olhou para cima e deu adeus. Em seguida, com o tempo já começando a escurecer, tomou o rumo da porta de casa.
Estava triste.
Continua...   


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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