SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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quarta-feira, 4 de julho de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (70)

                                         
                                                        Rangel Alves da Costa*


Pálida, como que imobilizada, estarrecida, Crisosta apenas absorvia, não se sabe como, as palavras que seu irmão continuava dizendo:
“O mundo feroz me pegou, maninha, e o bicho homem mais feroz ainda também. Foi um parecendo gente que me tocaiou sem eu fazer nada, sem poder me defender. Já estava de volta pra casa, já estava até de mala arrumada. Tudo pronto pra voltar. Fui comprar um reloginho de presente pra você. Comprei e achei tão bonito que voltei com ele na mão, levantando sempre para olhar a boniteza. E aí o bicho me viu assim e se achou no direito de me pegar por causa do seu presentinho. Tentei correr, mas foi tarde demais. O bicho me acertou. Caí e morri ali mesmo. Isso já faz muito tempo, mas só me encorajei para aparecer diante de você porque encontrei esse menino que me contou sua história. E ele me falou tudo sobre você, disse como estava vivendo e o sofrimento que estava passando. Também sei do que houve com nossos pais e com a outra maninha e o menininho dela recém-nascido. Estão todos lá em cima, vindo aqui de vez em quando lhe visitar. Não aparecem pra você ver com receio de que fique ainda mais angustiada, sofrendo mais ainda. Não aparecem assim como estou agora, mas de vez em quando estão dentro e ao redor da casa. Meu pai gosta de passear na malhada, caminhar pelo mato, visitar o pastinho onde criava seu quase nada. Ele achou certo o que você fez. Tinha que vender mesmo aquelas vaquinhas pra tudo não morrer de fome. Achou que depois daquilo você ia tomar coragem pra sair da cancela, pegar a estrada, visitar a cidade, conhecer gente. Ficou triste porque você não usou aquele dinheiro pra mudar nadinha na sua vida. Mãe sempre diz que viver não é só ter o de comer não, como parece que você vive pensando. Viver é também correr atrás da felicidade e da alegria no coração. Maninha também acha que você já tá passando do tempo de se casar. Se não arrumar logo namorado, uma pessoa decente pra casamento, quando der por si já está envelhecida demais para se tornar mãe. Maninha é quem fala tudo isso...”.
Crisosta se derramava em lágrimas, não sabia como se sustentava em pé. Apenas ouvia, ou apenas achava que ouvia. E o rapazinho prosseguia:
“Naquela chuvarada toda que deu, aquele verdadeiro temporal de muitos dias, não saí um só instante daqui. Vi você adoecer, fraquejar, pensar que já estava às portas da morte, mas eu sabia que ainda não havia chegado sua hora, e principalmente pelo bom anjo da guarda que tem. Não esse anjo da guarda que está ao seu lado agora, e sentindo o mesmo que sente agora, pois anjo bom e quase se humanizou para lhe guiar, mas outro anjinho que você conheceu muito bem. Quando estava doente, o seu anjo da guarda apenas podia manter você numa situação de permanência na vida, porém não tinha o poder de impedir sua passagem. Então foi preciso que seu bom amigo, esse mesmo que um dia foi caçador e que agora está aqui ao meu lado, corresse céu acima e céu abaixo para implorar ao próprio Pai que não esquecesse do quanto estava sofrendo e não lhe chamasse ainda. O menino anjo foi atendido e recebeu ainda a incumbência de se dirigir até lá, até a sala onde você estava estendida naquela rede, para entregar nas mãos do seu anjo da guarda a ordem enviada. E a ordem dizia apenas para iluminar o seu corpo e afastar aquele mal das águas novas. Depois, se ele quiser, já que está aqui também doido pra falar, pode contar tudinho. Mas falei demais e não posso esquecer que nosso tempo é curto aqui embaixo, e por isso mesmo quero lhe fazer um pedido em nome de sua família já falecida e contar um segredo que você ainda não sabe...”.
E Crisosta só faltava se desesperar de vez, sem palavras até para pedir que dissesse logo. Mas ouviu do irmão:
“Maninha, procure encorajamento na vida, procure aproveitar enquanto ainda tem mocidade. O que será de você mais tarde, já envelhecida e continuando nessa solidão toda? Desse jeito vai chegar um dia que vai se sentir completamente desamparada, procurar uma companhia e não encontrar mais. E quando a velhice chegar será praticamente o fim, pois uma velha na solidão desse mundaréu não é mais na vida que tenha qualquer serventia, a não ser ficar sentada na janela, se balançando na cadeira e vendo o tempo passar até a morte chegar. Por isso mesmo tire o dinheiro que ainda resta escondido debaixo do chão e procure viver melhor, viver mais e ser pessoa normal na vida. Sei que o dinheiro que resta é quase nada, mas dá muito bem pra você se arrumar, andar pela cidade e conhecer pessoas. Procure viver enquanto é tempo maninha...”.
“E o segredo?”. Ouviu-se esse grito desesperado da mocinha.
Continua...

   

Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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