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terça-feira, 3 de julho de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (69)


                                                  Rangel Alves da Costa*


Ao avistar ao longe as duas pessoas desconhecidas, Crisosta encontrou uma força que ainda não conhecia em si mesma, e ao invés de fraquejar, temer, amedrontar, seguiu firme naquela direção.
Na verdade, pensava que sairiam dali, entrariam no mato ou pegariam qualquer estrada quando estivesse chegando mais perto. Mas não. Caminhava firme, tentando enxergar melhor se conhecia aquelas feições, e os dois parados no mesmo lugar, sem se moverem, sem conversar um com outro sem, sem demonstrar qualquer tomada de atitude.
E a mocinha apressou o passo já disposta a gritar perguntando quem estava ali. Enfim, começou a falar indagando, mas sem obter qualquer resposta. Estranho, que coisa mais estranha, pensou. Todo o tempo do mundo sem aparecer ninguém por aqui e quando me aparece parecem com dois pés de paus fincados no meio do tempo. E seguia adiante.
De repente, tomou um susto e parou, brecou o passo espantada. Começou a reconhecer aquelas feições e não conseguiu mais seguir adiante. Não tinha dúvidas. Por mais absurdo que podia parecer, estava diante de duas pessoas que conhecia demais.
E duas pessoas que jamais saíam do seu pensamento. Uma por tão pouco tempo de convivência, mas que ficaria marcada para sempre na sua lembrança. A outra criada junto com ela, vivendo sob o mesmo tendo, correndo aqui e acolá na malhada da casa. Dois rostos inconfundíveis, duas feições que faziam parte de sua vida.
Mas nada daquilo poderia estar acontecendo. Não como estava, não daquele jeito. Seria até mesmo impossível que aquilo pudesse estar existindo de verdade. Talvez por pensar demais naquelas duas pessoas, eis que surgiram ali como miragem, como figuras de vento para açoitar sua imaginação.
Nada conhecido no mundo podia tornar aquilo realidade, impossível que estivessem juntos pelo mesmo motivo e estando ali pela mesma permissão. Um pelo que já havia acontecido com o mesmo, e o outro pelo não acontecido. E um redemoinho se fazia torturante na cabeça da mocinha.
Conseguiu dar uns três passos à frente e logo defrontou com dois sorrisos. Dois rostos que pareciam envoltos numa névoa embranquecida, duas feições que pareciam saídas de espelhos e querendo se firmar no meio do tempo. Duas aparências assim não eram de gente desse mundo, não eram de gente de carne e osso, mas de duas pessoas mortas. Mas não podia ser.
E gritou fortemente. Deu um grito tão medonho e desesperado que os bichos da mataria se assustaram. Ao claramente perceber que aquelas duas pessoas não eram outras senão o seu amiguinho caçador e o seu irmão, ela não pôde conter o grito, a dolorosa surpresa, o coração querendo romper.
E diante de si a mais estranha verdade e a mais angustiante dúvida. Se o seu amiguinho havia morrido, estava ali como aparição de alma do outro mundo, como ser espiritual que chega para se fazer visível perante pessoa que tanto gosta. E se isso era verdade, então o seu irmão estava ali na mesma condição e no mesmo propósito. Quer dizer, seu irmão também havia morrido.
Por isso o grito de desespero, a tamanha dor e o medo terrível de que se pudesse confirmar aquilo que agora não poderia deixar de imaginar: seu irmão também estava morto. Estava ali ao lado do menino para visitá-la, para se despedir, talvez para silenciosamente dizer-lhe alguma coisa, transmitir-lhe alguma mensagem.
Diante dos dois, indubitavelmente os dois, não tinha forças para seguir mais adiante, para se aproximar ainda mais e tentar passar a mão sobre as duas faces. Gesto desesperado, impensado, apenas para confirmar se a pele do rosto de seu irmão responderia ao seu toque.
Mas não conseguiu fazer isso, principalmente porque não conseguia fazer quase nada, a não ser ficar ali apalermada sem saber o que fazer no momento seguinte.
E quando os seus olhos se encheram de lágrimas e encontrou um tantinho de força para falar, e quando já ia abrindo a boca ouviu de seu irmão:
“Não se assuste maninha, não se assuste. Tudo isso que está vendo é verdade, realmente aconteceu. Também não sou mais ser desse mundo. Mas não se assuste...”.
  Continua...


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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