SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 7 de julho de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (73)


                                                Rangel Alves da Costa*


Crisosta entrou na mataria e foi sumindo até desaparecer. Seguiu sem olhar pra trás, foi adiante sem se importar com nada nem com o jeito daquilo que estava deixando.
A porta e a janela abertas, o cachorro ainda latindo, o vento invadindo sua casa, a plantinha de pé de parede dando sinais que suportaria resistir.
E logo agora que tudo parecia tão bonito por ali, ao redor de sua casa. Passarinhada voando, bicho do mato chegando, uma pedra querendo falar, os grãos de areias aperreados querendo saltitar, vento brincalhão fazendo folhagem valsar no ar.
Nem parecia o sol esturricante de mil Vesúvios, o calor da fornalha maior, o chão quente de lascar solado, a cortina formada pelo calor que subia. Não parecia nada disso, ainda que o tempo estivesse assim mesmo ou pior.
Quando ela estava ali, até mesmo pouco antes de partir, via tudo feio, esquisito, assustador. Logicamente que o olhar não era verdadeiro, mas verdade era que encontrava muitos motivos para avistar assim: tudo feio, esquisito, assustador.
Da chuvarada que deu naquela tempestade que tudo mundo pensou que não ia parar mais, só restava mesmo as tristes recordações de quem tinha perdido quase tudo com as águas valentes da danada e as ventanias esfomeadas que espalharam a dor.
Agora não restava nem sombra das águas correndo, das enxurradas, dos rios transbordando, de seu ouvir o riachinho gemendo de tão cheio de não suportar. Agora tudo na normalidade agrestina. A chuva desde muito havia se despedido, as águas já começavam a sumir nas fontes, as plantas já desandavam a perder o viço e a cor.
O que um dia foi lama de derrubar gado magro, de fazer atolar botina, de não permitir passar nem carro de boi, agora estava endurecido, esturricado, formando por cima da terra uma crosta que se abria em cubos assim que o sol batia mais forte. E batia sempre, todo dia.
Verdade é que muita gente nem havia ainda se refeito dos prejuízos da tempestade, nem havia ainda levantado a parede de barro ou colocado palha suficiente para servir de telhado, e já olhava temerosa para a barra do raiar do dia.
Parece até mentira, brincadeira de mau gosto ou coisa parecida, mas a verdade é que já tinha pai e mãe de família ensaiando as preces, orações e promessas que certamente precisariam fazer logo mais. Gente conhecedora do tempo e da natureza, do sopro do vento e da cor do dia, não mostrava qualquer esperança ao observar os sinais de chuvas.
Nenhum sinal, nada. E tudo voltaria a ser como antes, com o mesmo sofrimento, a mesma angústia, a mesma mão de esmola erguida. Tudo, menos isso. Só mesmo na última situação, quando a pele do menino já estivesse na folha do osso é que estenderia a mão. Do contrário, sofreria até que Deus viesse em seu amparo.
Tudo por causa do sol inclemente que não parava de descer cada vez mais forte. Ao redor da casa de Crisosta tudo estava assim também, com a paisagem ressecando a olhos vistos. E talvez fosse por isso que ela olhava e seu olhar triste achava aquilo tudo tão feio, tão esquisito, tão assustador.
Mas os passarinhos, os bichos, a ventania, faziam que tudo tivesse se transformando no cenário surreal, quase inconcebível de acontecer naquele dia e perante aquela paisagem. E o mais instigante ainda era que esse fenômeno anormal somente passou a acontecer após a mocinha virar as costas para sua casa e seguir em direção da mataria.
Mas não demorou muito que ela sumiu vereda adentro e tudo se transformou novamente. E numa transformação ainda mais desafiadora aos olhos de quem acaso pudesse testemunhar.
Eis que de repente os bichos correram, os passarinhos silenciaram, a pedra voltou à eterna mudez, o vento refreou no ar. E as lágrimas, as tristezas e os rogos tomaram conta de tudo.
Os mortos da família surgiram saindo da porta, desesperados com o que iria acontecer com a mocinha no meio da mataria. Não eram fantasmas, vagas aparições, mas pessoas parecendo normais, dessa vida, de carne e osso, na maior lamentação do mundo.
Só restava ao menino caçador e ao rapazinho tentar abrandar a situação, afirmando que ninguém, e principalmente os já falecidos, deveria tentar interferir naquele que claramente era destino traçado.
E só cabia a Deus agir. Dizer do sim e do não, dizer até onde o destino faria fronteira.
Continua...


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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