Rangel Alves da Costa*
Senhor de arma e combate, posto que outros Senhorios já tantas missivas escrevam a Vossa Alteza acerca das maravilhas dessa sempre nova terra, que agora em tão modernidade se acha, não deixarei de também dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que somente por ventura maior seja lido por tão sábia governança.
Todavia tome Vossa Alteza minha ousadia e insistência por boa vontade, a qual bem certo creia que, para expressar somente a verdade, aqui não hei de acrescentar mais do que aquilo que vejo e me parece. E antecipo, Nobre Senhor, que, se conhecesse melhor o teu reino, do qual esta nova terra faz parte, tudo fazia para renascê-lo, jamais perecer, como infelizmente se alastra.
Saiba, Vossa Alteza, que aqui nesta terra que um dia apregoaram como de muitos cajueiros e papagaios, segundo ainda se ouve saudosamente, e que também foi moradia de um bravo cacique e sua aldeia, bem se aplicaria ao dito por Caminha, o conhecido Escrivão, numa Carta referindo-se a outras terras. Verdade é que aqui tudo de bom vingaria, se assim fosse cultivado no solo fértil para a semeadura de homens e grãos.
Senhor, por certo hei que algum grão foi semeado por aqui. As árvores da sabedoria são avistadas pelos caminhos, o conhecimento frutificou pelas eiras das vastidões. Mas nem só de homens vive uma nova terra, senão que os responsáveis pelo seu destino cultivem também o bom hábito do progresso com honestidade, do trabalho com eficiência, do atendimento às necessidades nativas, do respeito à dignidade humana.
Ouvi de um velho nativo, pessoa de feição cansada pelas desditas do tempo, que as riquezas da terra nova contrastam com o que realmente possa ser encontrado. Vossa Alteza, acaso conhecesse essa parte do reino e a mão do trabalho nele se dispusesse repousar, hei por certo que seria o maior alquimista de todos os governantes. São costas maravilhosas, de praias belíssimas e convidativas, serras e montes onde a natureza faz pujante moradia, rios que são veias azuis cortando os caminhos, recantos os mais aprazíveis que se possa encontrar.
O tino de Vossa Alteza, soberano que um dia trouxe o sol para ladear com a lua, aliado à tão eficiente maestria com que trata os negócios políticos e os labirintos da governança, certamente seria muito útil para fazer progredir essa parte do Vosso reino. Ajoelhado e já pedindo perdão, confesso que bastaria dispor o vintém do reino no lugar certo, saber aplicar o numerário para o progresso do nativo, disponibilizar mais verbas para acudir às necessidades a dar esmolas aos que já vivem demasiadamente saciados das benesses do poder.
Cortou-me o coração, confesso, caminhar por tantos caminhos e neles encontrar a fome em meio aos frutos da estação, doentes ao lado das boticas medicinais em ervas milagrosas a perder de vista, pessoas sem ofício algum que lhes dêem proveito e sustento. Contudo, no outro lado da estrada avistei aldeias que pareciam o paraíso, com pessoas afortunadas e sorridentes. Vossa Alteza andaria por tais lugares sem sujar os lustrosos sapatos.
Acaso Vossa Alteza chegasse ao meio desse povo sentiria o orgulho de cada um em ter nascido neste chão, a alegria da esperança por dias melhores. Não faria mal algum aos Vosso organismo que algum dia viesse caminhar por estes descampados, sentir a aragem medicinal da manhã, conhecer de perto como vivem os nativos deste seu grande reino. E seria de bom proveito porque acabaria de vez com a aleivosia sempre repetida dando conta que o governante só se avista com os caciques.
Certamente o povo festejaria Vossa presença e acreditaria, crente e religioso de toda fé, em tudo que prometesse realizar, ainda que os ofícios da governança não deixassem tempo de mais lembrar que tais nativos sequer existem. E por verdadeiramente existirem, peço mil perdões para acentuar que desde muito saíram do estado primitivo e já conhecem muito bem tudo que acontece ao redor, até dos meandros do Vosso reinado. E um povo assim, Vossa Alteza, é deveras muito perigoso acaso queira ir de encontro ao reino.
Implorando mil desculpas e graças, rogo que não envie mais espelhinhos e outras bugigangas para os nativos. Continuar assim assoma-se como afronta às consciências já formadas e dispostas a terem os melhores presentes como fruto do próprio trabalho. Acredite, Vossa Alteza, ao invés de esmolas, o povo necessita é de respeito, tratamento digno e ter a certeza que não vivem abandonados pelo reino.
Razão, Vossa Alteza, tinha Caminha, pois também aqui, em se plantando, tudo dá. Como os frutos do progresso não nascem sozinhos, que o Vosso Governo tenha sempre uma mão estendida com as sementes do trabalho e do desenvolvimento para tão graciosa terra nova. Por tudo, e em nome de Deus e do Vosso Reino.
Poeta e cronista
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