Rangel Alves da Costa*
Coisas das faces avessas do amor. Ou aquilo que pensam que seja. Quando se chega ao cume do açucaramento ou do fingimento, e pretensiosamente querem demonstrar uma afeição inexistente, passa-se a utilizar dos meios mais simulados que existem.
Quem ama, e verdadeiramente ama, demonstra seu sentimento muito mais na ação do que na palavra. Sempre foi assim. E quando fala utiliza palavras adequadas e comedidas, sinceras e realistas, suficientemente úteis para expressar verdades, e jamais floreando com termos desprovidos de seriedade.
Não sei por que, mas imagino o amor como algo sério demais para ser envolvido por costumes e modismos que acabam fragilizando sua essência e o fazendo perder o seu sentido de devoção sem pieguices. Ora, amor é amor, brincar com o amar desnuda de seriedade o sentimento acaso existente.
Tudo isso para dizer que considero simplesmente ridículos determinados termos utilizados pelos enamorados ou mesmo casais nos seus diálogos costumeiros. E não se contentando nas comicidades expressadas no lar ou entre amigos, talvez achem pouco e acabam espalhando as baboseiras descabidas até perante desconhecidos.
Já ouvi muitas vezes – e tive de engolir calado - o esposo ou namorado chamar a outra de painho. Do mesmo modo fazem as esposas ou namoradas, falando com o outro e o chamando mãinha. Ridículo, simplesmente ridículo. Ora fifito pra cá, ora fifito pra lá.
O cara passa todo barrigudão, com uma garrafa de cerveja na mão, e a esposa esparramada em cima do sofá, não menos barriguda e apreciadora de copo e meio, vai logo dizendo: “Mãinha, corte aquele parmesão pra gente beliscar”. E depois de arrotar ele responde: “Sim painho, já vou. Vá torrar aquelas tripas painho...”.
Tem aquela nojentice do “bem-iê”. Assim mesmo, pois não pronunciam “bem” não, mas alongando a expressão e acentuando o final com um circunflexo. E vão dizendo coisas do tipo “Bem-iê, tô bonita tô?”; “Bem-iê, você me ama bem-iê?”. E o outro, abrindo a boca para a mesma bobagem, vai respondendo: “Sim, minha bebêzinha linda de mãinha...”.
Se tais expressões fossem utilizadas apenas no ambiente doméstico ou entre aqueles que já conhecem os adocicados e são forçados a ouvir, até que não seriam tão criticadas. Aceitas nunca, apenas menos censuradas. E recriminadas porque todos sabem que tratamentos tão adornados não suportam a primeira raiva. E o que é pior: servem apenas para fantasiar a realidade existente no casal.
Quem seriamente vive a realidade, quem realmente convive com o cotidiano do lar ou do relacionamento, sabe muito bem que muitas vezes é até difícil usar as formas de tratamentos mais corretas e simples. Há um contentamento imenso quando o outro sente que está sendo chamado, e realisticamente, de amor. Do mesmo modo quando um chama o outro de meu bem e dá a mão para que sente ao lado.
Vejo com grande simpatia quando o namorado carinhosamente trata a namorada por minha filha, minha querida, minha flor, e minha bela dama ou deusa, de vez em quando. Vê-se, então, que são expressões surgidas na doçura do momento, na felicidade do convívio, e não forçadamente para dizer ou mostrar muito mais do que sente ou o relacionamento suporta.
Contudo, não há coisa (para não dizer palavra) mais repugnante e abominável do que o tal do “mô”. Com os adolescentes tudo bem, pois criam expressões, gírias e modismos, vão espalhando e sendo entendidos por outros da mesma idade. Para eles tanto faz que amor seja “mô” e meu amor seja “momô”. Mas inaceitável entre casais, entre pessoas adultas.
E não se contentando com o “mô” pra cima e pra baixo, ainda transformam a língua numa infantilidade desenfreada e se põem a dizer “me bêsa mô”, “me bêsa môzinho”, “môzinho quelido”, “momôzinho”. E a gente tem de ouvir e achar bonito, talvez aplaudir o circo da irrealidade da vida, festejar a ilusão amorosa.
Que saibam e vejam o amor como palavra que se basta. Que sintam e expressem o amor dentro de sua realidade. Qualquer coisa que se faça diferente disso é fingir amar e desconhecer o amor. “Não é mô?”.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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