SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 9 de fevereiro de 2013

POVO CONTRA POVO (O CARNAVAL DA INCOERÊNCIA) (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Com certas pessoas não tem jeito mesmo, procuram agir sempre pelo lado da incoerência, da falta de bom senso, do erro absurdo. Parte do povo sertanejo infelizmente é assim também, inconsequente de marca maior, pois condescendente com o gasto do dinheiro público em festanças desnecessárias.
Por Deus, a verdade é que o sertão está precisando é de ajuda, e não de festa. O momento não está nada fácil para o sertanejo. Há poucos dias caiu uma chuvarada na região, trovoada grande mesmo, mas esperança que veio e se foi dum dia pro outro. Os tanques conseguiram juntar água, mas o tiquinho de mato rasteiro e esturricado que restava para o rebanho foi levado pela enxurrada. E a água juntada não dura uma sede.
A terra seca demais  e com barragens e grotões recortados de lama petrificada, a chuva caída quase não foi de nenhuma valia. Nem molhar a terra molhou, passou por cima, foi em embora na força d’água, da enxurrada levando tudo. Quando muito, o que a chuva fez foi derrubar barracos e taperas e fragilizar ainda mais a vida do desvalido matuto.
O sol continua em fornalha, o mato seco não ganhou seiva suficiente, tudo continua tristeza e cruel desolação. E o pior, a fome e a sede maltratando o bicho e o homem. Isso mesmo, bicho e homem gemendo a mesmo dor, berrando o mesmo sofrimento. Prova maior é a continuidade do estado de emergência nos municípios do alto sertão sergipano do São Francisco.
E é num ambiente assim, triste e sofrido, pobre e abandonado, que parte da população – os mais jovens, para ser honesto – ansiosamente se preparou para brincar o carnaval com os grupos musicais e bandas contratadas pela administração municipal, dinheiro vindo dos cofres tão propagados pelos gestores como completamente vazios. Um absurdo que só confirma o descompromisso dos governantes e de parte da população com os problemas que afetam grande parcela dos conterrâneos em miserável situação.
Certamente precisam dos brioches de Maria Antonieta, se contentam com o pão e o circo. Festa é para iludir mesmo, resolver com falsa alegria aquilo que é tristeza e sofrimento. Os incautos, insensatos, de espíritos empobrecidos e almas vazias, certamente se refestelam com o pão da insensatez e o festim da negação da realidade tão sobressalente aos olhos e sentimentos. Mas para aqueles que os tem.
O problema é que, ao menos por enquanto, diante da continuidade da estiagem aterradora, não se deveria nem falar em gastança desnecessária. É apenas uma questão de coerência com a realidade, um tipo de solidariedade àqueles que conhecem tão bem, pois seus conterrâneos, seres viventes nas proximidades ou arredores. Ademais, o mundo não iria acabar para o povo festeiro se a administração decidisse não gastar o dinheiro que poderia ser muito melhor destinado para suprir reais necessidades.
O Tribunal de Contas de Sergipe se manifestou acerca dessa situação. Prevendo o que de fato iria acontecer nos municípios em estado de emergência, o procurador-geral do Ministério Público de Contas, Sérgio Monte Alegre, apresentou proposta sugerindo que o Tribunal determinasse a esses municípios que não realizassem qualquer tipo de festas, inclusive as religiosas e carnavalescas.
Contudo, diante da proximidade do Carnaval, os conselheiros ponderaram que alguns municípios podem já ter contratado shows ou artistas, e assim optaram pela advertência, com a ressalva de que cada circunstância será examinada separadamente. Houve ainda recomendação que os tais municípios, por ferir o Princípio da Razoabilidade, se abstivessem de realizar despesas com festejos carnavalescos, salvo se financiadas pela iniciativa privada ou com recursos provenientes de outra Pessoa Jurídica de Direito Público Interno com destinação específica para este fim, como asseverou sua assessoria de comunicação.
Neste momento, de pouca valia serão a advertência e a recomendação, e até mesmo porque os administradores municipais parecem não dar muita importância a quaisquer dos princípios da administração pública e nem às determinações exaradas pelo órgão estadual de contas. Confiam demais na impunidade e vão fazendo festim dos cofres públicos.
E se mais tarde houver qualquer questionamento acerca da realização de festas com dinheiro público e num município em estado de emergência, logo virão com a resposta clássica dizendo que o povo precisa também se divertir. Sim, senhor prefeito, mas se a outra parte desse povo não estivesse tanto precisando de ajuda para minimamente sobreviver.
  

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

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