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quarta-feira, 9 de maio de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (13)

                                         
                                                        Rangel Alves da Costa*


Sua mãe estava morta. Mas não foi fácil encontrá-la assim. Crisosta achou muito estranho entrar no quarto e não avistá-la em meio à loucura e sofrimento. A verdade é que não estava em cima da cama, pelos cantos nem dentro do velho guarda-roupa. Uma possibilidade diante da loucura.
Levantou a tampa de um velho baú e o passado continuava ali adormecido, agora já ficando antigo, porém nenhum sinal dela. Abriu a janelinha que dava pra lateral, para o lado de fora da casa, lançou o olhar ao redor e continuou nada encontrando. Não havia nenhum buraco no chão nem no telhado.
Chamou pelo nome, gritou e num repente viu pelo chão, já entrando debaixo da cama, uma cabeça de boneca. Cabelos espichados na cabeça arredondada, menina plástica de brincar tão feia e tão linda. Era um brinquedo desde os tempos de criança e que sua mãe ainda guardava como boa recordação.
Mas o que aquela boneca que vivia escondida por trás dos panos mais esquecidos, no canto de tudo, agora estava fazendo ali no chão, debaixo da cama? Abaixou-se para apanhá-la e avistou uma mão segurando numa das pernas do brinquedo. Deu um grito horrendo e caiu pra trás.
E ali mesmo do chão, de onde estava caída avistou o corpo estendido de sua mãe. Estava um tanto escurecido ali embaixo, mas não haveria de duvidar. O corpo inteiro ali escondido, como se quisesse entrar ali debaixo levando a velha boneca. Arrastou-se, puxou no braço e sentiu a frieza. Procurou balançar e não encontrou qualquer resposta.
Conseguiu forças e enfim arrastou o cadáver recoberto num misto de frieza e quentura, trazendo o brinquedo à frente. Já não pesava quase nada, estava magra demais. Sua mãe já havia se tornado um resto de gente. Também não sentia peso algum, não sentia nada. Porém não tinha mais dúvidas, ela estava realmente morta.
Como acontece em momentos assim, onde o desespero, o espanto, a dor e o sofrimento já não têm mais como afligir a pessoa que já está totalmente tomada por tanto padecimento, com Crisosta não foi diferente. Se o telhado caísse ficaria indiferente, se o chão se nem olharia pra baixo. Tanto fazia. Tudo e nada era a mesma coisa.
Péssimos sinais que são estes. Quando tudo tanto faz são provas de péssimos sinais. Talvez nem estivesse normal, agindo com consciência, tendo conhecimento efetivo daquela situação, mas fato é que não mais esperneou, chorou, gritou, se lamentou. Apenas o olhar espantado, o olhar frio, o olhar sem resposta. Uma dolorosa impassibilidade.
Realmente, teria de estar fora de si, entregue ao delírio dos que não sabem mais o que fazer diante de circunstância tão difícil. E o mais espantoso ainda foi o que passou a acontecer em seguida.
Tendo arrastado sua mãe daquele local e em seguida procurado forças para colocá-la em cima da cama, de repente olhou para o outro lado, num lugar perto do guarda-roupa, e ali avistou alguém. Pediu imediatamente ajuda para levantar o corpo até o magro colchão.
E esse alguém que acabou pedindo auxílio não era outra pessoa que não a sua irmã, a mesma que havia morrido de parto. Mas estava ali em pé, numa brancura quase da cor da mortalha que lhe revestia, e tendo uma criancinha nos braços.
Crisosta continuou chamando a irmã para ajudá-la como se ali estivesse pessoa viva, pessoa que pudesse deitar o seu filho na cama e ir ajudar a erguer sua mãe. E ela não podia ver, mas a falecida irmã chorava como se estivesse agonizando por tanto acontecimento ruim. Ela já morta, seu filhinho também, e agora sua mãe.
Como apareceu também sumiu. Num repente e a falecida desapareceu com seu filhinho, deixando ali sua mãe morta e sua irmã completamente distante da realidade. E esta chegou a dizer que já que a outra havia ido embora para não ajudá-la, então tinha de fazer tudo sozinha. E conseguiu forças para estender o corpo em cima da cama.
Deixou o corpo estendido, saiu do quarto e foi até a porta da frente. Estava fora de si, estava fraca demais, estava sem suportar se manter em pé. Desmaiou como um fardo que é jogado ao chão. Agora era um corpo morto num quarto e outro corpo estendido logo após a porta da frente. Uma morte e uma vida estraçalhada. Será que suportaria?
Continua...


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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