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quarta-feira, 2 de maio de 2012

“FAÇA-SE A LUZ!” (MAS A LUZ NÃO SE FEZ NAQUELE OLHAR) (Crônica)

                                
                                                            Rangel Alves da Costa*


Segundo o Livro do Gênesis, no princípio Deus criou os céus e a terra. A terra estava informe e vazia; as trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas. Deus disse: "Faça-se a luz!" E a luz foi feita.
Luz feita para o mundo, para iluminar a vida, para afastar o homem das sombras, para o olhar avistar tudo ao redor, mas não para alguém. Os olhos desse alguém continuaram nas trevas, na escuridão, tomado de cegueira.
Em seguida, Deus viu que a luz era boa, e separou a luz das trevas. Deus chamou à luz dia, e às trevas noite. Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o primeiro dia.
Para o cego não adiantava que sobreviesse a tarde e depois a manhã, nem que esse luminar indicasse que o dia nasce com uma manhã, é seguida pela tarde e depois com um anoitecer. Ora, não houve esse primeiro dia, essa luz, nada, apenas a noite, a noite eterna no olhar do cego.
A seguir, Deus disse: "Faça-se um firmamento entre as águas, e separe ele umas das outras". Deus fez o firmamento e separou as águas que estavam debaixo do firmamento daquelas que estavam por cima. E assim se fez. Deus chamou ao firmamento Céus. Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o segundo dia.
No segundo dia, o cego acordou naquilo que disseram ser uma manhã. Havia deitado na escuridão e acordado sem ter qualquer luz. Abriu os olhos e perguntou por que era manhã e responderam que era fácil reconhecer quando o dia amanhece porque sempre há um galo cantando ao redor. E o ceguinho indagou se o galo tinha luz nos olhos para enxergar a manhã. Mas nada responderam.
E dali a pouco Deus disse: "Que as águas que estão debaixo dos céus se ajuntem num mesmo lugar, e apareça o elemento árido." E assim se fez. Deus chamou ao elemento árido Terra, e ao ajuntamento das águas Mar. E Deus viu que isso era bom.
Se naquele momento o ceguinho encontrasse uma porta e saísse caminhando por aí, e depois de toda estrada percorrida sentisse que os seus pés estavam molhados, certamente não saberia que estava na beira do mar, com as águas avançando e recuando por cima de seus pés descalços. E se soubesse o que era mar, se algum dia na vida já tivesse enxergado as águas do mar, qualquer água de água ou correnteza de trovoada seria um mar nos seus olhos sem poder de distinção.
 A seu tempo, Deus disse: "Produza a terra plantas, ervas que contenham semente e árvores frutíferas que deem fruto segundo a sua espécie e o fruto contenha a sua semente." E assim foi feito. A terra produziu plantas, ervas que contêm semente segundo a sua espécie, e árvores que produzem fruto segundo a sua espécie, contendo o fruto a sua semente. E Deus viu que isso era bom.
Após acordar, tatear um pouco pelos arredores, foi dado ao ceguinho uma fruta como primeiro alimento do dia. Disseram que era uma maçã vermelhinha e saborosa, vinda do pomar naquele mesmo instante. Mas se ele preferisse outra coisa, como mamão ou banana, mandaria trazer naquele mesmo instante. Então ele disse que preferia uma pera, mas que fosse vermelhinha igual à maçã, ou senão uma goiaba azul.
Deus disse: "Façam-se luzeiros no firmamento dos céus para separar o dia da noite; sirvam eles de sinais e marquem o tempo, os dias e os anos, e resplandeçam no firmamento dos céus para iluminar a terra". E assim se fez. Deus fez os dois grandes luzeiros: o maior para presidir ao dia, e o menor para presidir à noite; e fez também as estrelas. Deus colocou-os no firmamento dos céus para que iluminassem a terra, presidissem ao dia e à noite, e separassem a luz das trevas. E Deus viu que isso era bom.
Depois de comer a goiaba que pensava ser azul, o ceguinho perguntou dali a quanto tempo iria deitar e dormir novamente, pois tudo era sempre escuro, era sempre noite. E disseram que somente quando a manhã passasse, a tarde fosse embora e a lua aparecesse no céu com sua maravilhosa cor.
Então o ceguinho disse que o seu maior sonho era um dia poder chegar bem pertinho daquela cor linda da lua, tão escura, tão noite adormecida, assim como a luz do seu olhar.
Mas talvez um dia Deus diga: “E faça-se a luz nos olhos dos cegos!”. E assim sobrevirão as tardes e as manhãs, com suas paisagens e cores. Todos os dias.


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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