SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 1 de maio de 2012

JANELA DA TARDE (Crônica)

                    
                                                       Rangel Alves da Costa*


Deus do céu como é boa a vida, Senhor como é bom viver. Até ontem estava de mala arrumada para pegar estrada e eis que uma serena voz, silenciosamente soprando ao meu ouvido, me mandou pros lados do Monte do Entardecer.
Já que eu estava decidido a ir embora, justo que a voz me lembrasse de fazer a despedida àquele que talvez fosse o meu único amigo nos últimos tempos. No Monte do Entardecer, ao cair da tarde e pertinho do anoitecer, travei diálogo comigo mesmo, conversei com meu Deus, estendi o meu dedo em direção ao seu.
Mais cedo que o normal, tranquei a porta e sai quase correndo em direção à vereda que me conduziria até lá. Mas o passo diminuiu quando entrei numa rua e avistei uma flor na janela. O caqueiro estava ali, a roseira também, mas a flor era outra. E que linda pétala soprada pela brisa da tarde.
Já não sabia se ia ou ficava, se prosseguia ou voltava. O vento que sopra apenas volteia em frente às coisas belas, as horas deixam de avançar para não ver o instante passar, o beija-flor sente-se beijado com a simples visão do paraíso. E quem seria eu para não me entorpecer de desejo e de paixão escondida?
Arrumei forças para prosseguir e de repente já estava em frente à sua janela. Ela não, pois não conseguia olhar no seu olhar. Não conseguia avistar nem ouvir mais nada, ainda que ela estivesse abrindo a boca pra dizer boa tarde, ainda que ela se permitisse esboçar um sorriso, ainda que ela acompanhasse com um olhar diferente o meu passo seguinte.
Foi por causa dessa paixão doentia que decidi ir embora de vez. Continuar por ali sem ter qualquer esperança, apenas amando e sofrendo sozinho, perdendo noites e madrugadas rimando seu nome em infinitos versos, traçando planos para ao menos entregar uma flor, um bilhete, um versinho dobrado, uma maçã do amor.
E era o nome dela na madeira do banco da praça, no tronco da árvore, vagueando pelo ar, escrito em qualquer canto e em todo lugar. Dentro de mim não duvido que esteja dividido numa parte que é só dela e noutra que só pensa nela. E eu que chamei a manhã pelo seu nome, a tarde pelo seu nome, o sonho com nome e sobrenome: ela e ela..
É dolorosa aflição para quem não tem esperança de beber do cálice da possibilidade, buscar a cura na gota azul do seu olhar, encontrar a paz espiritual naquele sorriso exalando vida, buscar o renascimento do coração através da palavra talvez. Sim, talvez, pois a dúvida é fronteira que não afasta de vez a presença do amor.
Mas soprado pelo vento, e andando mais rápido quando ele batia mais forte, o Monte me acolheu sem ao menos eu perceber que havia chegado. E em seguida disse-me que olhasse adiante e percebesse que não há nenhuma beleza no que se apresenta ao olhar se não estivermos com o espírito preparado para aceitar as coisas belas. E perguntou se o meu espírito naquele momento era capaz de enxergar o sol se pondo através da nuvem.
Nem respondi. Então a voz do Monte disse que voltasse para buscar a palavra e junto com ela trouxesse também o olhar com a limpidez da alma renovada. Mas que só voltasse no outro dia, pois naquele resto de tarde eu teria que recolher tudo aquilo que precisaria para enxergar a vida na sua nobre grandeza.
Retornei entristecido, pensando nas palavras do Monte. Assim que a avistei na janela me enchi de coragem e vontade de dizer tudo o que sentia naquele momento e de uma vez por todas. E não me reconheci a tanto falar, a declamar, a cantar versos de amor, a dizer do que sentia. E também da certeza do impossível amor em apenas um.
Espantada com meu gesto, ela apenas sorriu e me olhou com um azul que imaginei ser o céu. E era. Um céu que se abre no espírito e no coração, na alma e no corpo inteiro, deixando o passo leve para voar de felicidade. E ter a nitidez das coisas, enxergar tudo como um espírito feliz e contente se permite, pois o amor tira a névoa dos olhos e acentua a cor de tudo que há ao redor.
Bem assim como o Monte falou. Bem assim como ele repetiu quando retornei com ela no entardecer do dia seguinte.


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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