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quarta-feira, 23 de maio de 2012

LUZ APÓS A ESCURIDÃO (Crônica)


                                                      Rangel Alves da Costa*


Dizem os Textos Judaicos que a luz é especialmente apreciada após a escuridão. À primeira leitura seria de imediata compreensão, pois logo se pressupõe que o autor quis dizer que a luz traz conforto diante da escuridão. Nada mais esperado. Contudo, não apenas isto. Muito mais e profundamente.
Verdade é que todo mundo só pensa em luz, em iluminação, em candeeiro, em vela, em lanterna, em lâmpada acesa quando se vê num ambiente fechado e escurecido. O olhar se espanta, sufoca, mas é a mão que sai tateando para ver se encontra algo que mude a situação. E tudo num desespero terrível diante da escuridão.
Contudo, a lição pretendida pelo escrito judaico parece ter outros sentidos, ainda que também sobre o reconhecimento da importância da luz após se ter passado por momentos de escuridão. E as vertentes encontradas são todas no sentido de afirmar sobre a necessidade de valorização ainda maior da vida após a superação de momentos difíceis.
Ora, luz não é só a energia, a iluminação, a radiação luminosa ou a claridade. Mas também tudo aquilo que signifique um momento novo, uma renascimento, uma ressurreição, um encontro com o tanto desejado. Daí se afirmar que luz é o despertar mental ou espiritual, o conhecimento sobre a realidade, o olhar compreensivo sobre a verdade.
Do mesmo modo a escuridão, que conceitualmente não se restringe apenas ao que é escuro, sombrio, está sem iluminação, no negrume, nas trevas. Tal significação amplia-se para ser, no contexto da lição judaica, as dificuldades passadas pelo indivíduo, os momentos difíceis pelos quais passou, os abismos e precipícios vividos. Instantes de dor, de agonia e de aflição.
Diz integralmente o texto que a luz é especialmente apreciada após a escuridão, e os termos “especialmente apreciada após” querem significar precisamente o fato de que a realidade existente nas coisas só se torna vista e sentida com mais importância a partir do instante que aquela realidade afeita ao indivíduo esteve fragilizada ou ameaçada.
Quer dizer, o indivíduo geralmente tem a realidade como algo existente por si mesma, que lhe dá conforto e felicidade, mas sem tê-la com maior importância, sem lhe dar a devida estima e valorização, sem enxergar o significado daquilo em sua vida. Contudo, basta que surja um momento de escuridão, de dificuldade, para que se ajoelhe implorando para que lhe seja permitido voltar àquele estado anterior.
Ao conseguir reaver seus instantes de placidez e serenidade, o indivíduo tenderia a aquilatar muito mais a vida que tinha antes e que foi reconquistada do infortúnio, através da luz que se acendeu na escuridão. Bastaria que pensasse que já tendo conseguido vencer uma dura batalha, então tudo fará para se fortalecer de tal modo que nenhuma ameaça lhe ponha novamente em agonia.
Daí que ao ser acometido por uma doença, na escuridão do medo o indivíduo se lança aos rogos pela cura. Agora passa a querer de voltar a saúde que tinha e que jamais valorizou. Quando a cura é possível e o estado físico e espiritual retoma seu ponto de equilíbrio, eis que o texto judaico diz que a saúde ameaçada deverá transformar o ser noutro homem, se valorizando como nunca fizera antes.
Eis assim o que o ditado apregoa, deixando claro que, dentre, outras coisas, o ser humano deve valorizar ainda mais o que tinha e, depois de perdido, foi reconquistado; deve zelar com mais cuidado aquilo que se mostrou frágil diante de um acaso; precisa saber amar o que tem agora sob pena de não poder redobrar esse sentimento mais tarde; tem de saber que é preciso construir agora para depois não ter que começar do alicerce novamente.  
Então, conjugando a satisfação em ter a luz após viver momentos de escuridão, tem-se que é possível viver de modo a construir uma ponte de ações tão fortes que por ela andará sem medo acaso a lâmpada do mundo de repente queira se apagar.


Poeta e cronista
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