SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 13 de abril de 2013

A MINHA LUA SERTANEJA (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Ainda que digam o contrário, duvido que a lua daqui seja igual a do Japão. Do mesmo modo desafio aquele que afirme ser a lua citadina ao menos parecida com a lua interiorana. E vou além: pago em dobra de ouro a quem mostrar outra lua mais bonita, mais grandiosa, mais radiante, do que aquela que brilha no meu sertão, lá pelas distâncias de Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo.
Razão tinha Catulo da Paixão Cearense ao cantantemente afirmar que “Não há, oh gente, oh não, luar como esse do sertão!...”. E no Gênesis ao criar o dia e a noite, e na imensidão escurecida colocar a lua imponente para alumiar sobre os seres, Deus apontou para o sertão e disse: Desponte e seja mais bela naquele lugar!
Saí de lá, não nego. Tive que vim aprender na cartilha e na tabuada as lições da vida. Mas sou de lá e os meus passos de vez em quando cortam estrada e vereda. Mas eis que na distância, quando avisto a noite e saio à rua, então me inundo de outra lua, com uma saudade imensa do clarão do lá. E asas eu tivesse para subir aos céus e me banhar na plenitude serena do anel dourado do dedo de Deus.
Nada igual a beber daquela luz na própria fonte, do alto da montanha levantar o olhar para o firmamento e sentir o lume alourado se derramar pelo corpo embevecido de espiritualidade e fé. É que a lua não desce apenas como luz, como clarão escondendo a noite, mas como anjo dourado que com suas asas lança bençãos em forma de estrelas.
Da lua de lá me fiz poeta e apaixonado, namorador e também solitário. Solitário sim, e necessariamente solitário para dela me aproximar, dialogar, sentir mais forte sua presença. Tantas vezes guardei um pedaço da noite apenas para receber seus sinais, seu beijo de cobre antigo, seu abraço envernizado, sua dança em meu olhar. E depois corria todo enluarado, com uma estrela à mão, para dar ao meu amor primeiro.
Quando ela sorrateiramente se escondia, deixava de aparecer pela noite inteira, ainda assim eu a avistava faiscante e ainda mais próxima. Eis que minha avó me ensinou que nas noites de breu a lua desce a terra e se esconde por trás de uma nuvem diante das pessoas. Quem a ela não dá importância, não sente sua falta, a noite se torna ainda mais escurecida.
Mas se sente que a pessoa está melancólica e entristecida, olhando aflita para o alto para ver se a encontra, então ela desponta bem ali adiante. Imensa, enorme, radiante. E basta fazer um pedido que ela prontamente atenderá. Por isso namorei tanto naquelas noites escurecidas do meu sertão. Nunca pedi uma, sempre duas namoradas.
Confortam-me as lembranças, as recordações, as saudades boas, apenas. E como ela, a minha lua sertaneja, não me sai do pensamento, então o menino poeta ressurge naquelas ruas e descampados, naquelas estradas e escondidos, para fazer o que toda criança faz debaixo da lua. E também o homem que rabisca suas memórias em folhas tristes para um baú distante. E depois, esquecido dessa distância, se põe a tudo ler debaixo da luz elétrica. Cadê minha lua?
Minha lua está lá com meus conterrâneos, meus amigos e conhecidos. Está brilhando aos olhos de meu amor de um dia. Está sobre o coreto da praça da matriz, por cima da rua velha e da rua nova, e também na janela da menina flor. Daqui fico imaginando meu amigo doido diante da lua, zelando por ela, porque nela alçará voo um dia. Foi isso que um dia me confessou.
Aliás, é esse meu amigo doido que me diz tudo sobre a lua quando chego por lá. De tudo toma nota no diário da memória, nas frágeis folhas da insanidade, e depois me passa um relatório completo. Falou-me que a lua embuchou uma mocinha; contou que a avistou dentro de uma bacia cheia d’água e que depois a solteirona derramou toda a lua na sua nudez. Estava apaixonada por São Jorge, acabei revelando ao amigo.
Agora é noite. Aqui avisto uma lua no poste, e que se apaga de vez em quando. Fico imaginando o meu amigo maluquinho a essa hora olhando pra lua. E temo que os papéis se invertam, juro por Deus. Ele lá, nesse instante sentado na pedra grande, tão humano e verdadeiro diante de sua imensa lua. E eu aqui enlouquecendo de saudade.
O Velho Totonho tinha razão. Durante o dia inteiro não abria a boca para falar com ninguém. Mas quando a noite chegava e a lua começava a despontar, ele surgia na porta de seu casebre, dava um passo adiante, olhava pra cima, firmava o olhar e depois dizia: Saudade!
E somente isso: Saudade!
  

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com   

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