Rangel Alves da Costa*
Talvez a maioria das pessoas não goste de solidão, do silêncio reflexivo, de laivos de melancolia e instantes de angústias. Certamente que não. Também não gosto. E porque não gosto tudo faço para fugir de momentos assim. Procuro urgentemente qualquer coisa pra fazer. Contudo, não sei se adianta.
Se caminho pela beira da praia, ou pelas areias dos beirais marinhos, logo encontro uma concha. A onda chega lentamente, o vento sopra e um segredo se espalha pelo ar. E se lanço o olhar sobre as águas talvez aviste um barquinho solitário ao longe. Não encontrarei razão para sorrir.
Se eu vou em direção à praça em busca de um banco para dali dialogar com a natureza, eis que encontro o outono diante do meu olhar. As árvores magras, murchas, desfolhadas; as cores ocres, acinzentadas, as folhas fazendo seu rumo de volta. E o vento chegando voraz para tudo levar. Terei razão para contentamento?
Se abro a janela, afasto a cortina, e me ponho no umbral para sentir na face a aragem perfumada do entardecer, avisto adiante, lá em cima, a última revoada do dia. Os pássaros enfileirados seguem seus rumos, seus caminhos, seus destinos. E tanto que já quis ter asas para acompanhá-los no horizonte. E não encontro motivo algum para felicidade.
Se estendo minha rede na varanda com a intenção de relaxar e dormir, eis que avisto um velho livro na estante e tenho vontade de reler alguma coisa. Deito tranquilamente, mas ao abrir o livro encontro uma folha seca dentro de suas páginas. Nem recordava mais de sua existência, mas ela ressurge aos olhos com o poema ali escrito. Ai quanto dói reler versos amorosos de um dia!
Se, para fugir das ameaças do vão livre do pensamento, vou arrumar velhas coisas esquecidas pelas gavetas e baús, não será garantia alguma de apenas fazer o tempo passar. Surgem as vozes, os rostos, os escritos, as lembranças e os encontros que até fazem chorar. Um retrato de minha mãe, um rascunho de meu pai, um pingente dourado, um laço de fita, um monte de coisas. E lágrima derramada assim contradiz a satisfação.
Se decido buscar nos escondidos um vinho de rótulo apagado e beijá-lo a boca vermelha ouvindo uma velha canção romântica, ou mesmo uma música clássica, correrei o séria risco de embriagar-me de relembranças. Louis Armstrong cantarolando What a Wonderful World me faz voar; a viagem pelas águas mansas da Barcarolle de Offenbach me faz navegante incerto. E certamente ficarei completamente tomado de entristecimento.
Se prefiro abrir a porta e sair caminhando pelas ruas sem saber aonde chegar, dificilmente encontrarei um destino sem antes ter cruzado com situações e visões dolorosas e torturantes da vida. As mãos de esmola, os meninos da marquise, a infância viciada, o muro novo pichado, o banco da praça arrancada, o lixeiro propositalmente revirado, a violência no trânsito, a brutalidade entre as pessoas. Não há como fugir da dolorosa indignação.
Se resolvo não fazer nem uma coisa nem outra, preferindo me jogar na cama para um sono só, ainda assim não estarei livre de amarguras e sofrimentos. Os sonhos são terríveis, são armadilhas que trazem ao pensamento aquilo que a pessoa tanto quer esquecer. Não que eu não pense nisso, não recorde tanto, e até deseje reviver, mas é difícil acordar depois sem ter ao lado o semblante, o beijo, o abraço, o carinho. E tudo martirizando o jardim primaveril da memória.
Mas não quero tristeza nem melancolia. Não quero encontrar motivos que me deixem angustiado e aflito. Que bom que a chuva já vem, que a chuva enfim vai chegar. Ouvir os pingos batendo no telhado me afasta de perigosos pensamentos. Contudo, não sei, não sei. Ali adiante há uma janela envidraçada e a névoa que se forma com a chuva lá fora me fará recordar um coração desenhado. E uma boca vermelha beijando a saudade.
Em momentos assim não sei o que fazer. Juro que não sei.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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