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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 5 de abril de 2013

NOITES SEM LUA (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Depois do entardecer a noite desce fechada pelas ruas das cidades. Poucos se atrevem a sentar nas calçadas para o proseado e a fofoca, tudo tão costumeiro. As portas e janelas se fecham mais cedo, logo depois das seis.
As pessoas já não arriscam caminhar debaixo da lua, aproveitando a aragem da noite, cumprimentar um amigo, dar boa noite ao estranho. As praças não recebem mais a juventude para suas brincadeiras, os seus namoros, as suas paqueras. Tudo se torna deserto e feio. E perigoso. Demasiadamente ameaçador.
A violência é, em parte, a grande culpada pelas pessoas passarem a viver tão prisioneiras. Ficou arriscado demais estar com a porta aberta ou sentado numa cadeira de balanço na calçada. A marginalidade não respeita nada, não considera ninguém nem a si mesma.
Os jovens se voltam para outros afazeres. Muitos pais gostam e preferem que seja assim. Permanecendo em casa, trancados em seus quartos envoltos nas inovações da informática e interagindo nas redes sociais, ao menos evitam a exposição aberta aos perigos da noite e de seus indesejados encontros.
Já houve um tempo de noctívagos, de errantes noturnos, de seresteiros, de pessoas que praticamente trocavam o dia pela noite. Já houve um tempo de namorados nos bancos das praças, seguros da paixão e do momento enluarado e tão poético. Já houve um tempo, imagine, de estender esteiras na calçada para o cochilar.
Os meninos gostavam de jogar bolas pelas ruas calmas e tranqüilas; seus familiares esqueciam as novelas e os telejornais para vivenciar a vizinhança, para dar conta das esperanças ainda existentes. O estudante retornava depois das dez sem perigo algum. Somente num e noutro caso as corujas das sombras davam os seus pios aterrorizantes.
Mas tudo mudou. Tudo está muito diferente. Fechar a porta depois das seis não é mais escolha, mas necessidade; manter os filhos dentro de casa não significa mais senso de proteção, mas um imperioso modo de garantir a sobrevivência. Ora, depois da calçada tudo se transforma em medo e violência.
Contudo, nem todos optam pela forçada reclusão noturna. Muitos preferem as sombras da noite, a escuridão, para fazer valer seus instintos, seus vícios, seus dons marginais. Muitos jovens, principalmente, saem de suas tocas depois do entardecer e seguem para os encontros com outros com os mesmos objetivos e intencionalidades.
Se no passado - e sem disso fazer um tempo muito distante - grupos de jovens se reuniam nas praças ou nas esquinas para conversas sobre namoros, futebol ou qualquer outra coisa despida de malícia, agora é bem diferente. Dificilmente não se reúnem para tramar maldades, para armar esquemas, para usar drogas.
Desse modo, onde se avistava um grupo de amigos e dele podia se aproximar sem qualquer consequência, agora é melhor nem se achegar pelos arredores. É sempre mais seguro imediatamente voltar, procurar ou outro caminho, fazer de conta que não viu absolutamente nada. Ver o que fazem é sinal de perigo.
Mas se resolver seguir, e neste ato impensado  não sofrer graves consequências, certamente terá oportunidade de avistar algumas situações curiosas. E estas dizem respeito às estratégias de proteção que utilizam para não serem flagrados, ainda que todo mundo saiba o que fazem ali.
Sim,  ao seguir adiante logo perceberá que o grupinho imediatamente se desfez; que passou a se sentir ameaçado e por isso mesmo passou a olhar desconfiado, de forma ameaçadora; ou simplesmente começou a esconder os objetos e bagulhos que estão usando. Ou não, pois tantas vezes procuram mesmo mostrar que estão usando drogas. E isto porque logo imaginam que quem se arrisca tanto é porque está interessado em adquirir “o seu produto”.
Assim acontece, a cada dia e a cada noite pelas cidades. Certamente alguém dirá que estou exagerando, acentuando demais possíveis situações. Mas afirmo que não. Cada um, querendo, pode se arriscar um pouquinho para confirmar ou não o que ora afirmo. E não precisa ir muito longe não.
Talvez na esquina de sua rua esteja acontecendo o que você nem imagina. E com pessoas conhecidas, seres que você jamais imaginou ser capazes de fazer do vício, do uso viciante da droga, uma triste e mortal realidade para suas vidas. Ou do que delas restar.
  

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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