*Rangel Alves da Costa
Dentre as
sete mulheres (Enedina, Rosinha, Áurea, Adelaide, Dinda, Sila e Adelaide),
foram as duas últimas que mais se destacaram na vida bandoleira. Sila por ser
companheira de Zé Sereno, um renomado líder de subgrupo. E Adília por ser
companheira de Canário, outro cangaceiro de destaque no bando do Capitão, ainda
que servindo no subgrupo do companheiro de Sila.
Cada
membro do cangaço possuía características pessoais que até hoje o identifica
por diversos aspectos, fosse na valentia, na pontaria ou no tino de liderança.
Com as mulheres não era diferente. Contudo, foi após o fim do cangaço em 38,
após a retomada da vida social, que outras características passaram a envolver
os que restaram do bando de Lampião.
Uma
exemplificação das mudanças e permanências pode ser obtida perante duas
cangaceiras de Poço Redondo: Adília e Sila. Conterrâneas, conforme dito, de
origem nas redondezas do atual Alto de João Paulo, filhas de sertanejos de
foice e enxada, levadas ao mundo cangaceiro ainda jovens, tiveram irmãos cangaceiros,
mas somente isso como semelhanças. No restante, contudo, eram totalmente
diferentes. E isso foi mais facilmente observado no pós-cangaço.
Adília era
de poucas palavras, sem gestos afetados ou sorriso aberto, numa singeleza e
humildade que a caracterizou até seus últimos dias. Adília foi apenas de
silêncio e memória, foi de tentar fazer de conta que nem havia pertencido ao
mundo brutal e desumano do cangaço.
Jamais
abriu a boca para, sem ser perguntada por algum amigo ou conhecido, revelar
qualquer fato ou situação daqueles tempos difíceis em meio aos catingueirais e
pontas de espinhos. E quando falava, também pouco revelava do muito e de tudo o
que sabia. Era um baú – quase sempre fechado - de tristes recordações.
Não falava
sequer em Canário, seu falecido companheiro nos tempos da cangaceirama. Também
não tinha boas lembranças para falar, pois a mocinha que seguiu o cangaceiro
por amor, logo se arrependeu do erro cometido e passou a odiar não só o
cangaceiro como a vida sofrida que levava.
Mas nunca
o traiu, nunca abriu a boca perante todos para revelar o fel guardado nos
sentimentos. Suportou a tudo de forma paciente, comedida, como se penalizando
estivesse pelo erro cometido. Também não gostava de falar sobre seu irmão
Delicado, também integrado ao mundo cangaceiro.
Ao fim do
cangaço, acabou retornando a Poço Redondo, ao Alto de João Paulo, de onde havia
saído e onde passou a morar até seu último instante de vida. E numa vida tão
simples que o forasteiro jamais poderia imaginar que ali vivia uma ex e famosa
cangaceira. Daqueles tempos, trazia consigo apenas uma marca de tiro numa das
pernas.
Já Sila era totalmente diferente. A irmã dos cangaceiros Novo Tempo, Mergulhão e Marinheiro, e companheira de afamado chefe de subgrupo no cangaço, gostava de falar e até falar demais. Sila fez de seu passado cangaceiro um festim, um brilho hollywoodiano, transformando-o em algo forçadamente honroso e exuberante.Perante as câmaras e lentes, a ex-cangaceira se transformava em verdadeira estrela, contando e recontando fatos e passagens como num filme deslumbrante.
Muitos
pesquisadores do cangaço ainda hoje negam a veracidade de muitas de suas
afirmações. Na verdade, foi, por semelhança de pedestal, a Maria Bonita do
subgrupo comandado por Zé Sereno. Mesmo que nenhuma cangaceira tivesse se
equiparado em garra e valentia a Dadá, as companheiras dos líderes sempre
quiseram arvorar para si uma majestade superior. E Sila assim se manteve no
pós-cangaço.
Morando em
São Paulo, dando entrevistas, relatando fatos para a escrita de livros, chegada
aos holofotes, já não era a sertaneja dos caminhos de poeira e pedra das bandas
de cá. Mais parecia uma artista quando visitava Poço Redondo. Sempre charmosa,
perfumada, bem penteada, toda nos trinques, era um retrato bem diferente da
outrora companheira de cangaço chamada Adília.
Enquanto
Sila vivia da fama e bordando ao bel-prazer seu passado, Adília estava ali,
quietinha, sentadinha em sua cadeira nas vizinhanças da cidade. Com tez morena,
roupa simples, na casa humilde, no silêncio das horas, assim era a Adília que
conheci e fui amigo, ainda que meninote.
Também conheci Sila, mas não de aproximação, apenas de avistamentos quando estava ao lado de meu pai Alcino, nas vezes que visitava Poço Redondo. Por último, dizer que a foto acrescida contrasta as realidades posteriores. Na foto, o sorriso é de Adília, enquanto Sila não mostra nenhum contentamento. Mas depois, depois do fim do cangaço, o sorriso foi apenas de Sila.
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