*Rangel Alves da Costa
De hora pra outra sentiu tudo mudar. Não
tinha fome, uma vontade danada de chorar, então resolver se aconselhar com o
velho rezador, que para muitos não passava de feiticeiro. E logo ouviu que seu
problema não era de saúde ou de qualquer outra coisa, mas espiritual. E mais: o
espírito desejava um macho em sua vida!
Histórias assim acontecem além da conta.
Gente que leva calcinha roubada em varal, retrato tirado às escondidas, fios de
cabelos, nomes e corações desenhados em papel de feira, e tudo para ser
colocado no alguidar da vela preta. Tudo feitiço.
Entretanto, não é somente a mandinga que
serve para atrair, prender, ou fazer reverter o invertido, ou como simples
promessa de tudo isso. Na verdade, há um tipo de magia que passa a interferir
na pessoa sem que a mesma tenha passado perto de um terreiro. É o feitiço
oculto, aquele dos desejos normalmente aflorados.
Não adianta dizer que não vai mais amar, que
desistiu de compartilhar abraços e beijos, de ser do outro mais que de si
mesmo. Não adianta porque em certas coisas a pessoa não manda, não tem
suficiente poder para dizer que não, que não vai mais fazer.
Há feitiço em tudo. O coração mesmo depõe
contra a pessoa. Tudo se faz para não se envolver, para dizer não, para evitar
esse primeiro gole de paixão, mas não haverá jeito. O coração é bruxo e
traiçoeiro, age ocultamente e quando a pessoa percebe já está no caldeirão dos
perdidos.
Mas eu amei e me arrependi, pois sofri
demais. Assim se diz. Contudo, não vai muito e a mandinga já está preparada. E
a pessoa passa a se envolver como se nada tivesse dito. E o pior que se
entregando total e cegamente àquilo que tanto desejou evitar. E por amor, e por
amar, enfrenta tudo, até o sofrimento e a dor.
O feitiço está em tudo. Melhor não dizer que
desta água não beberei ou que os meus passos jamais caminharão por esta
estrada. Evita-se ao máximo, tudo faz para cumprir o prometido. Mas de repente
a mandinga do acaso ou a bruxaria do desejo escondido novamente ataca.
E não adianta se benzer, tomar banho com sal
grosso, borrifar-se de água benta, sair com Bíblia debaixo do braço ou com
santo na ponta da língua. Tudo acontece como encantamento, como cegueira, como
coisa do outro mundo. De repente a pessoa estará nos braços da perdição.
Em tudo há um feitiço atiçando e desnorteando
a vida. Eu não queria, mas... Fiz tudo para evitar, mas não houve jeito...
Apenas experimentei, mas não queria que fosse assim... Minha força fraquejou
ante o pecado e então pequei... Assim acontece. Tudo como se o livre-arbítrio
despudoradamente ocultado fosse a chave para a inversão.
Ora, o corpo em si já é um caldeirão de
enfeitiçamento. O corpo é fascínio, é encanto, é sedução. O corpo é chama que
queima além da medida e braseiro que chameja ainda que esteja em cinzas. E
possui duplo significado: o da provocação e o da atração.
O feitiço está nos dois, tanto na provocação
como na atração. Ao provocar, desata os laços desconhecidos do outro e já não
pode dizer que não tem culpa pelo que venha acontecer. Ao atrair, eis que chama
para si as consequências tanto do se permitir como do desejo do outro. Um jogo perigoso
demais, vez que mais forte que o feitiço é a cegueira da possessão.
Não brinque com coisa séria, então. Lute com
todas as forças do mundo para que nem enfeitice nem seja enfeitiçado. Uma
simples atitude, como uma roupa curta demais ou um erotismo exagerado no andar,
pode ser aquilo que o feitiço tanto esteja esperando.
Ninguém está livre do mal ou da maldade, uma
verdade. Contudo, quem brinca com fogo se queima, quem anda nu pode sentir
frio, quem sai na escuridão pode encontrar o indesejado. Os olhos estão vendo,
as mãos querem tocar, as lascívias querem satisfazer seus instintos
pecaminosos.
Use um amuleto. Sim, use um amuleto. Use um
patuá, um talismã, uma pedra sagrada. Coisa do outro mundo, sobrenatural,
difícil de encontrar? Não. De jeito nenhum. Nenhum talismã é mais forte que a
força própria, que o desejo próprio, que a certeza de saber o que faz e o que
deseja com cada ação.
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