SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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sábado, 21 de maio de 2011

TEMPESTADE - 12 (Conto)

TEMPESTADE – 12

Rangel Alves da Costa*


Preocupado demais com sua amiga professorinha, porém ainda soltando sua voz para uma musica de letra inteligível, juntando pedra, cavalo e vento, o maluquinho Teté sumiu no meio da escuridão e foi parar nas proximidades da igreja. Sabia que tinha pessoas ali, tinha ouvido vozes, barulho e muitos xingamentos.
Dentro da igreja, com a licença da má palavra, estava um verdadeiro pandemônio. Verdade é que o seminarista Tristão parecia haver perdido o controle da situação. Ajoelhou-se diante da cruz do Senhor, orando profundamente, implorando por uma luz para resolver imediatamente aquela terrível situação.
Não obstante a fúria do tempo querendo engolir tudo e todos, agora eram aquelas falsas beatas se engalfinhando, querendo se engolir, se comer, fazendo da igreja um verdadeiro campo de batalha, vendo qual levava a melhor na disputa de quem era menos ou mais safada, mais ou menos adúltera, mais ou menos falada nas rodas das fofocagens.
Socorro continuava amotinada dentro do confessionário, sufocada pelo calor que fazia, totalmente desesperada, cheia de vergonha e medo. Não o medo de enfrentar a esposa de seu amante Alfredo, pois sabia que Antonieta também não valia nada, sendo talvez mais afamada do que ela para os lados da sem-vergonhice. Mas medo e vergonha de desrespeitar daquele jeito a casa do Senhor, de transformar uma igreja num adentro de abomináveis revelações.
E também não tinha medo de enfrentar a traída porque sabia que não estava sozinha, tinha um verdadeiro exército lhe dando proteção. Com efeito, se de um lado Antonieta e sua turma estavam prontas para avançar e tirar ela do confessionário de qualquer jeito, também havia uma turma postada diante do local dizendo que se elas fossem mulheres que partissem pra briga, que fossem tirar Socorrinho de lá.
Num campo de batalha, a céu aberto, se poderia dizer que a tropa de Socorro era formada por Rosinha, Custódia, Esmeralda e Tibúrcia, enquanto que a tropa de Antonieta era composta pela própria ofendida e mais Filó, Dandinha, Minervina e Clementina. Com tamboretes nas mãos, castiçais e até velas, o grupo de Antonieta a toda hora fazia gestos de invasão, o que era respondido pelo grupo de Socorro contando com pedestais, pedaços de paus e tudo que encontraram espalhado por ali.
E Antonieta gritava de espumar pelos cantos da boca: “Saia daí sua vagabunda, sua rapariga safada, sua tarada pelo macho dos outros. Alfredo não é pra qualquer uma não, ele é meu marido, meu homem e não vou admitir que uma zinha como você, uma puta desqualificada, uma rampeira da pior espécie, ande com retrato dele dentro da bíblia. Será que ia rezar pra tomar ele de mim, era sua safada? Diga, sua imprestável que vive levantando a saia pra qualquer um. Não tem marido não é, cadê o frouxo daquele Albertino que não sabe a mulher que tem? Mulher não, isso é uma trepadeira descarada, uma mordedora de fronha, sopradora de capim do mato. Saia, saia daí que é pra ver se eu não parto sua cara safada em duas. Saia...”.
Cheia de calores e aflições, mas ainda suportando tudo pela proteção que sabia que estava tendo, Socorro respondia de lá de dentro: “Quem é você pra falar de ninguém sua amancebada com qualquer um. Se Alfredo procura outra é porque sabe a imprestável que você é, a puta que já expulsou de casa mais de dez vezes e você com essa cara safada continua lá. Pensa que ele não me diz tudo que você faz não, é? Não era pra dizer não, mas agora vou dizer tudinho que é pra essas aí saberem que qualidade de puta safada você é. Alfredo me falou...”.
Mas quando Antonieta ouviu a ameaça de Socorro, sentiu que segredos poderiam ser revelados e começou a embranquecer, a enfraquecer sua posição de ataque e a arranjar um modo de contornar a situação de uma forma menos dolorosa. Então propôs, entrecortando as palavras enraivecidas e ameaçadoras da outra: “Pensando bem, Socorro, acho melhor a gente deixar essa pinimba pra lá. Faz de conta que nem vi o retrato daquele safado do Alfredo. Por falar nisso, quando chegar em casa vou pedir uma fotografia a ele e igualzinha a que você tem. Como esposa acho que tenho direito, não é mesmo? Então saia daí e venha pra cá que é pra gente conversar em paz, deixar dessa arrelia logo aqui num templo cristão...”.
Sentindo o desencorajamento da rival, então Socorro disse a si mesma que havia chegado a sua hora e que não ia perdoar nem um tantinho assim do que ela havia falado. Sabia que estava errada por manter um caso com um homem casado e marido de uma amiga, mas não era nenhum fato novo entre elas. Por isso mesmo se achou no direito de ir ao contra-ataque e revelar tudo que sabia segundo tinha ouvido do próprio Alfredo. E começou a gritar de dentro do confessionário:
“Tá com medo que eu diga tudo, hein, sua safada, tá? Então não vou contar nada, nadica de nada, só pra não enlamear ainda mais a imagem da quenga vagabunda que você é. Pode ficar despreocupada que essas aí só vão sair daqui com a certeza de que você não presta nem nunca prestou, que pula mais muro do que cachorra no cio, mas do resto, do podre mesmo, não vão ficar sabendo não...”.
“É, deixe isso pra lá, depois a gente resolve o resto...”, disse a ainda aflita Antonieta, louca para que a outra desistisse mesmo de dizer outras coisas que disse saber. Mas para seu total desespero Antonieta começou a disparar sua metralhadora verbal:
“Pois é, não se preocupe que não vou dizer mais nada não. E não vou dizer, por exemplo, que você vivia trancada com o Padre Gusmão aqui mesmo na sacristia; não vou dizer, por exemplo, que Alfredo mentiu dizendo que ia viajar e quando abriu a porta do quarto da casa você estava lá engatinhada com o jardineiro Astolfo na cama do casal; não vou dizer, por exemplo, que você até deu dinheiro pra Tôzinho de Dona Júlia fazer safadeza com você; não vou dizer, por exemplo, que toda noite de quinta-feira, que chova ou não, você se encontra com o marido de Minervina, essa aí mesma que está do seu lado pensando que você vale alguma coisa...”.
Ao ouvir essa revelação, Minervina, que fazia parte das defensoras de Antonieta, se aproximou um pouco mais desta, olhou-a bem na cara, começou a vermelhar, a quase soltar fogo pelas ventas, a se agitar toda e, sem poder falar de tanta raiva, colocou a mão dentro de uma bolsinha e de lá arrastou uma pequena arma. E depois disse: “Vou lhe cortar todinha de canivete sua safada”.
Quando Antonieta ouviu da boca da outra a palavra canivete deu um grito de estremecer tudo ao redor: “Socorro, socorro que Minervina quer me matar com um canivete!”. Ao ouvir mais essa, o seminarista Tristão, que ainda estava de joelhos esperando uma resposta dos céus para o que deveria fazer, levantou num pulo e falou: “Pelo amor de Deus, morte aqui não!”.
Tristão correu para intervir, para fazer o que pudesse para evitar o pior, mas quando chegou Antonieta já tinha corrido para se trancar também no confessionário. O medo agora tinha unido as duas inimigas num só lugar, num local com pouco mais de um metro lado a lado.


continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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