SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 18 de dezembro de 2018

CONFISSÕES DE UM SERTANEJO



*Rangel Alves da Costa




Nunca mais escrevi uma só letra no livro de minha própria história. Talvez eu não tenha muito que escrever. Sou apenas o que sou, e nada mais. Mas o que sou, então? Um filho do sertão, um filho de Poço Redondo, nascido de Dona Peta e Seu Alcino. Não, não quero mais que isso. Basta-me ser de onde sou e da raiz familiar de onde vim. Não cultivo jardins floridos nem crio pássaros de asas grandes. Nem ilusões perfumadas nem voos inalcançáveis. Sou chão, sou rente a terra, sou sol e suor. Não subo em pedestais nem caminho com estrelas à mão. Sou mais a mão calejada que a mão estendida de anel dourado. Sou mais a palavra matuta, troncha, torta, que a palavra floreada de egoísmos e vaidades. Meu amigo é aquele que me tem como amigo, sempre, na trovoada ou na seca grande. Não alimento amizades de aparências nem levo no embornal mil cartões de visitas. Sei de onde vingam as melhores raízes, sei qual a flor que perfuma. Todo mundo é todo mundo, mas a pessoa não. Disso eu sei. Por que a pessoa não é igual, por isso mesmo procuro ser igual ao meu igual. E o meu igual é aquele que se iguala não no que tem, mas no que é. O meu igual é aquele de humildade sem perder a nobreza. O meu igual é aquele que se iguala na amizade, na honradez, no caráter. Não avisto a roupa rasgada, o chinelo quebrado, o roló desmanchando, o chapéu de couro esmaecido de tempo. Avisto a pessoa, enxergo o que há por dentro e a sinceridade espelhada por fora. E quero que me avistem como aquele igual, e sem acrescentar nem diminuir. Nunca fui nem serei diferente daquele nascido do mesmo berço e caminhante da mesma terra. Sou formado em muita coisa, mas o sertanejo também é. Quando um anel no dedo teve mais valor que um instrumento de trabalho na terra? Quando uma caneta foi mais importante que a mão calejada semeando o pão? Quando o nome doutor foi mais importante que o nome trabalhador? Nunca, jamais. E as ilusões não cabem em mim. Prefiro a nudez da verdade que a couraça da ilusão. Conheço o sabor da água do pote e da moringa. Conheço o gosto do café torrado e do cuscuz ralado. Conheço a gostosura que é o ovo de capoeira misturado ao toucinho. Ora, vou mentir a mim mesmo? Ou eu sou eu ou outro jamais será o que há em mim. Encanta-me o sino tocando, o sol indo embora como candeeiro de pouca luz, a velha beata contando as contas de seu rosário. Dentro de mim há uma almofada de fazer renda, há uma rede de pescador, há um pé de araçá. Sou o que sou e ninguém jamais me fará diferente. Já andei mundo, já vivi distante, e só me reencontrei no que sou depois que novamente bati à porta de casa, de uma casa chamada Poço Redondo. Vivo como um citadino, mas sem querer ser assim. Preferia uma casinha no mato, uma rede na varanda, água de pote e um radinho de pilha. E um horizonte tão belo ao meu olhar que eu de repente escrevesse no caderninho: “Um filho que ama sua terra é um filho que cuida da terra que tem”. E depois aguar uma plantinha e dizer: Crescei e frutificai meu Poço Redondo!



Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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