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segunda-feira, 17 de outubro de 2011

AMBIENTES SOMBRIOS, FACES ENTRISTECIDAS, SOLIDÃO... (EU E REMBRANDT)

AMBIENTES SOMBRIOS, FACES ENTRISTECIDAS, SOLIDÃO...
(EU E REMBRANDT)

                                               Rangel Alves da Costa*


Retratando sua época ou mesmo um tempo já muito distante, o holandês Rembrandt talvez seja o pintor dos ambientes sombrios, faces entristecidas, solidão...
Parte de sua pintura é verdadeiramente triste, mas não porque pintou motivos tristes, e sim porque transmite em cada tela uma ideia de silêncio angustiante, de profunda reflexão, a partir de cores sombrias, pouca luz, grandes espaços vazios e figuras quase sempre solitárias em meditação quase que monástica.
A dramaticidade da pintura do artista holandês é absoluta. Mesmo nos retratos e autorretratos,o que se vê são as feições pessoais, com seus dramas e medos, angústias e conflitos, e não meras concepções artísticas. Nisso é exímio, no expressar sem retoques os sentimentos.
Contudo, o que mais surpreende são as técnicas utilizadas para definir os espaços, adequar a iluminação com o estado do espírito dos retratados, fazendo, por exemplo, que a luz que entra por uma janela na sala escurecida não vá iluminar totalmente o ambiente, mas principalmente o semblante de alguém que está sentado meditando.
Entre o negro, o marrom e o amarelo se traduz a função expressiva de sua arte. O negro não porque a escuridão seja pano de fundo, mas porque a ideia é de negrume, de tornar o ambiente sombrio através do marrom que predispõe os espaços. Então vem o amarelo, muitas vezes tênue, para passar uma ideia de luz. Dizem que esse tom amarelado, envelhecido, é o próprio tom da alma humana que padece daquele instante da vida.
Nesses ambientes escurecidos e tristes, iluminados pela tênue luz amarelada é que Rembrandt coloca os seus personagens, talvez filósofos na sua função interrogativa do mundo, ascetas na sua busca de espiritualidade infinita, religiosos nos seus silêncios quase sepulcrais, velhos no seu labor da lembrança de outros tempos. De qualquer forma, a intenção maior do pintor é retratar a sabedoria em confronto com a sombridade do mundo
Tais personagens olham distante através da única luz existente, luz vinda de uma janela; sentados em pesadas cadeiras, estão ao lado da lareira que crepita uma chama apenas aparente; como se estivessem em tronos, filósofos e velhos religiosos estão dispostos no meio das telas como a dizer da solidão do homem no centro do universo. E todos com suas barbas brancas e longas, rostos fechados para a vida vã e de olhares que se perdem dentro de suas próprias mentes descrentes do mundo que há lá fora.
Com personagens sempre entristecidos, introspectivos e pensativos, o que faz o artista é mostrar a solidão da razão. Ora, se aqueles sábios envelhecidos, tão conhecedores do mundo e de todas as faces e facetas da vida, estão sempre de olhares descrentes e feições irresignadas, é porque sabem que o valor do conhecimento e do pensamento não terá destino melhor do que a solidão.
Ontem, por acaso, me vi, me reconheci, me avistei dentro de um desses quadros de Rembrandt. Pensei que estava apenas naquele onde o velho sábio está sentado sob a luz da janela, tendo a seu lado uma mesa com escritos a decifrar, mais adiante alguém alimentando numa lareira e ao fundo uma escada em curva levando ao desconhecido, talvez à morte, já que a escadaria de repente acaba numa escuridão absoluta.
Sou eu sim, não só nesse quadro como em todos os outros do pintor, nessa fase da pintura espiritual e na qual se revela em profundidade a descrença do homem perante o seu tempo, onde aflora em cada semblante a tristeza e o padecimento em imaginar a vida perdida pelos seus próprios erros. Sinto aquela luz sombria batendo em meu rosto, a chama da lareira aquecendo o frio da minha alma aflita. O livro adiante, um velho manuscrito, fui eu que escrevi, dizendo em mil folhas que a dor é a moldura da face humana que ousa querer conhecer a vida.
Se para chegar ao profundo conhecimento da alma humana e retratar com fidelidade aqueles semblantes entristecidos Rembrandt se valeu de seus autorretratos, digo, porém, que o meu espelho se quebrou e apenas imagino o que sou. Ou o que de mim restou, na pintura envelhecida que já sou.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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