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segunda-feira, 17 de outubro de 2011

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 63 (Conto)

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 63

                                          Rangel Alves da Costa*


Tendo ido até a universidade saber dos últimos preparativos junto à comissão de formatura, Carmen retornou com uma expressão muito menos despreocupada do que vinha apresentando nos últimos dias. O repentino contentamento se justificativa por diversos fatores. Primeiro porque já havia providenciado o novo advogado, as procurações e os requerimentos já estavam em juízo, e segundo porque iria viajar logo ao amanhecer do dia seguinte para visitar seus pais, familiares e amigos.
Contudo, assim que aproximou o veículo para estacionar e ir providenciar outros afazeres dentro da residência, vez que as lembrancinhas para cada um ainda não estavam identificadas, sua feição modificou completamente. A paz existente ganhou ares de preocupação, o entusiasmo cedeu lugar ao esmorecimento, ao aborrecimento, à insatisfação.
Diferentemente do estranho que procurou disfarçar o encontro com ela e por isso mesmo se assustou quando se viu confrontado, Dr. Auto estava com o seu veículo parado um pouco mais adiante e, em pé, nos fundos do carro, fumando tranquilamente, esperando ela descer e o avistar. Tinha certeza que nem precisaria seguir até ali. Conhecendo seu destemor, sabia que seria Carmen que iria até lá perguntar o que fazia ali à sua espreita ou espera, se não decidisse avançar logo com um monte de verdades na boca.
E não foi nada diferente do imaginado, apenas um pouco mais assustador do que o esperado. Assim que teve certeza que era mesmo o safado do advogado que estava ali, fechou calmamente a porta do carro e se encaminhou até aquele local, desde o primeiro passo já fixando os olhos nele, numa dureza tamanha que o mais forte dos homens passaria a temer. E Auto Valente realmente temeu, ficou amedrontado, mas também maravilhado vendo sua paixão escondida caminhando tão disposta e segura em sua direção.
Já ia abrir a boca para falar qualquer coisa quando ela, já um metro diante dos seus sapatos, fez um ríspido gesto, colocando abruptamente o dedo indicador entrecruzando os lábios, como se silenciosamente gritasse que ele não se atrevesse a abrir aquela boca nojenta, covarde, abjeta, para dizer qualquer coisa, para dar um cumprimento sequer. Sentindo-se totalmente estremecido, quase impotente diante da inesperada situação, ele viu apenas quando ela tirou a mão da boca e a levou violentamente em direção ao seu rosto, acertando-lhe em cheio, zunindo pelo ar e fazendo-o girar involuntariamente a cabeça.
Foi apenas uma bofetada, mas tão violenta e certeira que por muito tempo o causídico lembraria, e até sentiria, aquela mão aberta lhe atingindo com uma força inesperada para uma mulher parecendo tão frágil. “Mas o que é isso, Carmen, calma, calma...”, procurou argumentar, se defendendo de outro ataque igual.
“Cale a boca, seu verme nojento, seu imprestável de uma figa, calhorda de marca maior. Sua sorte é que não estou nesse momento com uma arma na mão. Se eu tivesse juro que deixaria o mundo livre de você, seu bandido, corrupto, assassino. Isso mesmo, assassino, ou será que não lembra o que fez Dona Glorita correr para a morte; não lembra do que fez judiando de Dona Leontina. Pensou que matando de uma a uma ia se ver livre de todo mundo, foi seu quadrilheiro asqueroso? Pois saiba que não, pode ter a máxima certeza que continuarei lutando até o fim para desfazer o mal que você e sua quadrilha, seu bando de corruptos, fizeram tanto com os dois rapazes quanto com suas mães. Saiba que até quando vida eu tiver lutarei e farei tudo para ver esses quadrilheiros, seja juiz ou o que for, na cadeia, na mais imunda penitenciária, bem no lugar onde aqueles dois estão agora. Lá é que é o lugar de vocês. Bandidos devem é ir pra penitenciária pagar pelo mal cometido. E vou repetir, enquanto vida eu tiver...”.
E foi o momento de se interrompida e até com um certo escárnio: “Se você não ficar calma e não me deixar falar, dói-me dizer, mas você não vai viver muito não!...”. Nesse momento Carmen ficou completamente desarmada, gelou completamente, tinha que ouvir o restante dessa conversa, tinha que se aprofundar na afirmativa de que não viveria muito. “Mas o que você quer afirmar com esse dói-me dizer, mas você não vai viver muito, diga por quê?”.
Então o advogado procurou ajeitar a roupa, renovar sua postura de importância, e em seguida disse que procuraria ser o mais breve possível, porém ela ouvisse atentamente o que tinha a dizer, pois muito mais importante do que poderia imaginar. E prosseguiu:
“Carmen, você pode até pensar que o que vou lhe pedir é um meio de me livrar dessa enrascada toda que me meti. Você tem toda razão ao dizer que faço parte de um bando, de uma quadrilha, de uma máfia. Entrei nisso porque achava que me daria bem trabalhando para o deputado Serapião. Contudo, esse homem não demorou muito para me envolver em armações e corrupções por ele comandadas. Sabe como é, a pessoa erra por fazer uma coisa e depois não pode mais deixar de continuar fazendo, sob pena de correr risco até de ser morto. Morto sim, porque essa turma é muito perigosa, muito poderosa e sempre age prevalecendo-se da impunidade. Para eles tanto faz fazer o mal ou o pior, pois não têm sentimentos e só pensam em vingança, em tirar proveito, em se ajudar, em roubar, em dividir o bolo e roubar mais. Foi nesse meio que eu entrei através do deputado. Só que não sou nada diante deles, daí me tornar ainda mais vulnerável, um zé-ninguém, que sempre tem de aguentar calado e fazer aquilo que eles mandam. Os absurdos que cometi com os dois rapazes fizeram parte desse jogo nefasto e perigoso. Os pais tanto do outro Josué como da mocinha namorada de Paulo, cada um com seus motivos mais aberrantes, queriam porque queriam ver o fim daqueles coitados inocentes. Daí que, pela amizade e interesse financeiro, o deputado Serapião se pôs a intermediar as fraudes processuais, os absurdos e todos aqueles meios escusos com o magistrado daquela vara criminal, pois aqueles processos foram todos reunidos ali, colocados diante das mãos do juiz e do promotor. Jamais recairiam nas mãos de outro magistrado, somente daquele, vez que as cartas já estavam marcadas. Então, só faltava um advogado para fazer parecer que tudo corria normalmente, com a defesa e todos os trâmites processuais. Mas como você bem sabe, dentro dos autos já estavam plantadas as sementes da condenação e era só uma questão de tempo para o juiz sentenciar. O meu erro foi esse, foi ter enganado as mães o tempo inteiro e não ter pensado em sair disso enquanto havia tempo. Aliás, uma vez parte dessa organização criminosa ninguém poderá mais sair como queira. É uma verdadeira Yakuza, uma máfia napolitana, o esgoto mais fétido do submundo do crime. E isto porque há pessoas poderosas demais envolvidas nisso...”.
“Mas o que é que eu tenho a ver com essa bandidagem toda para também correr risco?”. Carmen já sabia o porquê, mas ainda assim fez a pergunta para chegar até outro ponto onde queria, pois na verdade lhe interessava saber de onde realmente vinham as ameaças. Ora, tanto poderia ser do deputado como de outro daqueles figurões envolvidos.
Então o advogado foi logo na carne: “Você sabe demais, está sendo uma pedra no meio do caminho, está até tirando o sono de gente da alta, de gente que está com interesse importantíssimo ameaçado. É por isso, e por isso mesmo, que até já encomendaram sua morte. Nessa parte não sei dizer quais ou quantos querem ver o seu fim, mas a verdade é que já encomendaram sua morte”.

                                                   continua...






Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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