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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 9 de outubro de 2011

MULHERES DA RUA TAL (Crônica)

MULHERES DA RUA TAL

                                     Rangel Alves da Costa*


Não é difícil encontrá-las. Elas estão bem ali, seguindo essa rua, virando à esquerda e depois à direita. No primeiro trecho há o Bar do Zé e um monte de ambientes com o nome “Dormitório” escrito nas paredes. Tudo fingimento, mas o nome está cravado lá. Depois de portinhas estreitas avistam-se escadas escurecidas que levam à recepção e aos aposentos.
Não há luxo algum nesses ambientes, nem no Bar do Zé nem nos dormitórios. Coisa chinfrim mesmo, de quinta categoria, até mesmo porque certamente ninguém iria dormir ou permaneceria uma noite inteira nos quartos impregnados de fumo, de cheiro de álcool e de sexo sudorento e pouco asseado. Ali é entrar, bater o ponto e sair.
Intensa é a movimentação, intensos são os pedidos por um cigarro e mais ainda para fazer amor. Pensei que o amor nascia, mas passando ali a pessoa aprende que pode ser feito em dois minutos. Jovens, verdadeiras meninas, outras mais calejadas e algumas envelhecidas, e de tal modo enrugadas e cheias de maquiagens e perfume adocicado que também ali se aprende que há prostituição mumificada.
Desde cedinho que elas já estão pelas calçadas ao longo da rua, sentadas perto das escadarias dos dormitórios, fazendo ponto em frente e dentro do Bar do Zé. Quem passa defronte logo ouve as músicas de gosto duvidoso, as tão decantadas canções bregas, muitas vezes uma cuja letra chorosa diz que o marido corneado, mas agora apaixonado pela mulher que expulsou de casa, hoje vive no cabaré tentando reconquistar seu amor. Outra, também de muito sucesso, diz que a rainha da noite só se conhece quando apaga a luz.
Mas nada disso é coisa do outro mundo. Tudo faz parte da realidade das cidades grandes e também pequenas. Se em muitos centros urbanos não são poucas as ruas que são conhecidas pelo comércio de determinados produtos, seja pirataria, lojas de um e noventa e nove, boutiques chiques ou cafés, há também os lugares apropriados para se encontrar mulheres daqueles tipos que ficam no Bar do Zé ou pelas calçadas, embaixo dos dormitórios.
Desse modo, nada mais normal do que a existência desses ambientes, das mulheres que vivem ao redor e do que elas estão à procura de fazer ali. O intrigante é um fato corriqueiro, à primeira vista insignificante, mas cuja análise mais apurada logo revelará uma situação terrível, ao mesmo tempo constrangedora, dolorosa e profundamente cortante nos sentimentos. Ao menos nos que olham para aquelas mulheres e enxerga em cada uma algo mais do que uma reles prostituta.
Eis que as mulheres que fazem ponto nos ambientes daquela rua, se misturadas às demais mulheres que ali transitam, passam aos montes diariamente, indo e vindo para o comércio, se encaminhando para os seus empregos ou saindo deles, não se diferenciam em nada das outras transeuntes. Quando estão nas calçadas são iguaiszinhas às outras mulheres que passam com filhos, esposo, amigos, para os afazeres cotidianos.
Impossível que haja separação entre quem é prostituta, quenga, mulher da vida, e a mãe de família que passa carregando uma feira, uma estudante, uma senhora da grã-finagem, uma jovem espevitada que bem poderia ser daquele metiê. Ora, as quengas estão na porta do bar e as senhoras passam normalmente, num instante se misturando no mesmo local; as prostitutas estão na entrada dos dormitórios e tem de dar passagem a quem vem ou vai ao comércio ou passear.
Contudo, o que mais impressiona nesse encontro de pessoas com objetivos tão diferentes é que, muitas vezes, a mulher, cuja comunidade e vizinhança sempre imaginaram ser apenas uma mãe de família, de repente uma conhecida passa por ali e a encontra, por exemplo, bem sentada na entrada do Bar do Zé. E o pior, não como alguém que esteja ali de passagem, mas fazendo vida, esperando macho pra subir lá no dormitório por dois contos de réis.
Imagino como deve ser duro uma senhora ou um senhor passando no local, sabendo de antemão porque estão ali e o que pretendem, e de repente avistam uma parenta, uma amiga, a filha de um conhecido. Nunca soube de caso parecido não, mas fico pensando que situação tristemente dolorosa um pai, uma mãe ou um irmão passar por ali e encontrar sua filha ou irmã toda pintada e de bolsinha de lado, bem recostada à entrada do dormitório ou sentada numa das mesas do Bar do Zé.
Não é difícil acontecer isso não, principalmente porque ali é rua comercial, como qualquer outra rua onde existem lojas de variedades. O problema é que há também o comércio do sexo. Mas parece que elas não estão nem aí para quem vai ou vem, a não ser que demonstre interesse no seu produto.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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