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domingo, 2 de outubro de 2011

RESPOSTA AO QUE VOCÊ NÃO ME DISSE (Crônica)

RESPOSTA AO QUE VOCÊ NÃO ME DISSE

                                    Rangel Alves da Costa*


Quem dera ter a força do silêncio. E do silêncio a sua palavra, o seu murmúrio, o seu grito. E não sei nem tenho nada do silêncio porque a luz entristecida do entardecer não deixa, a saudade e as tantas recordações não permitem, essa expressão que assoma nos olhos e no lábio trêmulo não consente.
Quem dera ter a força do teu silêncio e me fazer ouvir sem ter de falar. Ora, a palavra que possa expressar, tudo que tenha a dizer, nada disso precisa sair da boca senão do entendimento do outro que já sabe o que você acaso queira falar. Mas fala sempre, ainda que no silêncio ouve-se o seu falar.
Sua voz no silêncio ou o silêncio falando em seu nome e chegando a mim feito sermão na montanha, não há como deixar de entender cada palavra e por isso mesmo querer responder no mesmo instante. Vem-me, me chega tudo, como se o vento que sopra usasse o seu batom.
Contudo, ainda que o seu silêncio tenha o poder de ressoar um grito, continuo esperando aqui, sentado na frente da vida e olhando a feição da ventania, o que você tem a me dizer e ainda não disse. E talvez não queira dizer por que sabe que já sei. E sei mesmo...
Pela força do seu silêncio é que me chega cada palavra. E veja que não me refiro a entendê-la pelo gesto, pelo aceno, pela ação, pelo olhar pela feição, pelo estado de alegria ou de aflição. Não, o que sei faz parte de um todo dividido em pedaços, e tudo juntado agora para dizer o que teria de ser dito sempre.
Não nos conhecemos de agora, de ontem, de qualquer acaso. Sei que o seu olhar me olhava do mesmo jeito que o meu olhar lhe admirava; sei que um dia quis me revelar um segredo que há muito eu já queria lhe revelar; sei que o outro lado da rua era distante demais quando um ou outro virava a esquina. A presença era tudo e o querer também.
A vida passou, porém nada mudou. E a prova maior de que nada mudou está no presente que ontem lhe enviei. Não sei se a minha escolha agradou seu coração, mas não haveria um presente melhor e mais verdadeiro, com cada objeto nele contido correspondendo às palavras de outros tempos que não foram ditas.
Uma cesta de vime ou de cipó do mato, nem sei. Flores do campo, bem sei, pois eu mesmo as colhi. Uma concha do mar com um segredo sussurrando dentro; um colar de pequeninas conchas com uma estrela do mar prateada; uma pulseira de pedaços de onda, uma garrafa lacrada com um bilhete dentro que achei na beira da praia da minha boca; uma cestinha menor com frutas da estação. Inclui também um verso de Florbela Espanca que o vento me trouxe e ainda uma janela aberta desenhada num papel cheirando a perfume. Se você olhar bem vai me enxergar adiante. Sou aquele que sopra um beijo.
Com esse presente talvez eu esteja respondendo ao que você nunca me disse, mas imagino teria muita vontade de dizer. Se o que envie representa um reconhecimento de quem lhe conhece e admira há tanto tempo, então digo que sou grato pela amizade; se o que recebeu lhe causou espanto porque achava que eu nunca lembraria você desse jeito, então digo que jamais esqueci um segundo desde aquele primeiro olhar.
Mas também se apenas recebeu e em seguida não quis nem saber quem enviou, deixou esquecido pelos cantos ou simplesmente jogou tudo pela porta dos fundos ou no lixo, ainda assim direi que não importa que não tenha gostado ou que não tenha dado nenhum valor, bastando em mim o sentimento de ter tentado me aproximar de você.
Contudo, se gostou do presente e sorriu ao ler a mensagem e o nome de quem enviou, e depois passou a olhar carinhosamente tudo ali contido e usufruir com graça e prazer cada coisinha como se fosse uma lembrança imensa, então não direi mais nada. Já sei o que você queria me dizer sempre e não o fez porque não sabia que eu estaria do outro lado daquela janela.
E nesse momento do seu silêncio lembro-me da voz do coração. Fala pelo amor e pela saudade que sente.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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