SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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quarta-feira, 5 de outubro de 2011

NÃO LEIA (PALAVRAS PODEM DOER) (Crônica)

NÃO LEIA (PALAVRAS PODEM DOER)

                                  Rangel Alves da Costa*


Por favor, não leia! Repito: Por favor, não leia, pois contém palavras que podem doer.
Não leia, já pedi que não leia. Você não está acostumada a ler sobre perda, solidão, dor, tristeza, sofrimento, angústia ou outros vorazes sentimentos. Então não leia...
Aqui fala em amor, em felicidade, em reconquista, em alegria e um monte de coisas boas, mas pode ser tudo mentira. Então é melhor nem seguir adiante...
Se resolveu prosseguir, então informo logo que não tenho nenhum compromisso com o que possa acontecer com você ao final da leitura. Assim, está ainda em tempo de decidir não ler.
Já que insiste, então que seja forte o quanto puder, pois...
Roubaram sua vida e você ainda pensa que é o que não é mais. Deixaram contigo um corpo, um vestígio de pensamento, um resto de esperança e um passo. Só isso.
Acredite, mas todas essas coisas que estão refletidas no espelho já não lhe pertencem mais. A boca, os olhos, os braços, os cabelos, o sexo, os seios, o sorriso, os ouvidos e o ouvir, nada disso lhe pertencem mais. Nem você se pertence mais a si mesma.
O que já não era seu você bem sabe. Vou apenas lembrar pra você esquecer que tinha essa roupa, esse sapato, esse relógio, essa pulseira, esse perfume. Tudo era do tempo e o tempo levou. O seu namorado, que nunca foi seu, já não precisa ir atrás.
Mas nem pense em correr para a janela e se atirar dela porque ela não está mais lá. Não era sua e agora é porta, só que está trancada e pelo lado de fora. O veneno também não é seu, aquela arma que vivia escondida na gaveta nem pensar. Ela se atirou primeiro e sumiu.
Mas você pode matar a sede, tomar quantos copos de água quiser, mas não da torneira, e sim desse líquido marrom acumulado no balde e caído da goteira da casa que não é mais sua. Pode beber quantos copos de água quiser, até secar o balde, pois vai precisar.
As lágrimas não são mais suas, porém resolveram esperar um pouco mais para você chorar o quanto quiser, e vai ter vontade de chorar muito ao ter a certeza que não tem mais nada, nem a sombra. Aliás, talvez o sol nem brilhe mais sobre você.
Nem o sol brilhante e ardente, nem a lua cheia e prateada, nem a estrela cadente, nem o horizonte com suas saudades. Nada que olhe adiante agora e possa enxergar será seu, a não ser aquela estrada que avista ali e que depois de uma curva ninguém sabe mais até onde vai dar.
Aproveite aquela estrada, pois é única coisa que tem agora. Não sei por que, mas fizeram demais em deixar que continuasse tendo uma estrada por onde pudesse caminhar, seguir em frente e procurar reconquistar tudo o que perdeu. Quer seguir agora?
Siga, vá em frente e boa sorte. Todo mundo merece ser feliz, reconquistar o que perdeu, e você não é a pessoa mais desprezível do mundo para não ter essa oportunidade. Contudo, haverá de saber aproveitar cada grão de areia por onde siga.
Talvez tenha sede. Na beira da estrada encontrará uma casinha muito humilde, uma verdadeira tapera de porta e sala. Talvez não encontre ninguém lá dentro, mas verá uma mesa com muitas comidas e bebidas.
Tudo estará em suas mãos. Veja o tamanho da fome e da sede que tem e se farte da humildade ou da gulodice. Pode repousar um pouco se quiser ou seguir adiante. Mas já será noite e talvez seja ainda mais difícil de caminhar. A escuridão é também perigosa, a não ser que você tenha pressa para encontrar o que deseja.
A sua coragem permitirá que encontre um caminho sem grandes temores. Os inimigos se escondem quando a força vai passando e logo será manhã, de tempo bom e belas paisagens. Há uma bela casa de portas abertas ao lado do caminho para o caso de já estar contente com o já conseguido.
Um pouco mais distante dessa bela casa avistará outras casas, e dentre elas a sua, tão simples e tão pequena. Além de ser assim, para chegar até ela terá que vencer um labirinto fechado e onde talvez estejam terríveis surpresas.
Se você decidir enfrentar o medo para retornar ao que é seu, ainda que muito pacato, então bastará colocar o pé na estrada e o labirinto já terá sumido. Sua casa agora está diante do seu olhar. Vai entrar?
Entre com alegria e prazer, pois já superadas as dificuldades da vida e lá dentro encontrará tudo o que imaginava perdido. E se quiser ainda mais, um verdadeiro amor, por exemplo, retorne e faça o mesmo percurso.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com      

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