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domingo, 23 de outubro de 2011

MINHA SOLIDÃO (QUE É TÃO NOSSA) (Crônica)

MINHA SOLIDÃO (QUE É TÃO NOSSA)

                                             Rangel Alves da Costa*


Agora sei que se divide a solidão, pois da sua veio uma parte pra mim, e da que eu já sentia foi um pedaço pra você.
A solidão que eu já sentia não era tão grande assim, apenas solidão nos dias e nas noites se o pensamento insistia em lhe buscar na impossibilidade de sempre.
Quando uma parte da sua solidão, que não sei bem a extensão que possui, se apossou do meu quarto e do semblante que ainda sorria, fiquei muito mais solidão, e entristecida, sombria, de dolorosa angústia.
O pedaço da solidão que de mim uma noite voou e seguiu em sua direção, não sei bem se tão sozinha assim ou apenas uma parte de mim acostumada em lhe chamar no vazio e ouvir sua voz no vento.
Antes que de mim saísse uma parte e de sua chegasse um pedaço, a minha solidão era completa, porém não total assim, desse modo apavorante como estou agora, depois que a sua porção de mim se apossou.
Minha solidão se completava no sofrimento e na dor, na saudade e na recordação, no sentimento do vazio e da desesperança, suportando a vida como se qualquer outra coisa fosse melhor pra se viver.
Olhava a janela fechada e aberta e lá estava minha solidão; na chuva que caía, na ventania que passava, no vento que açoitava, no silêncio caminhante das nuvens, na imaginação da montanha e no seu outro lado, num jardim ressequido e sem vida, tudo tinha a feição da minha solidão.
Mas você sempre foi a razão maior da minha solidão. Sozinha e só, sabendo que também sou culpado por sua solidão, ainda assim me deixa sozinho e só.
A solidão que nos cerca, nos impõe sofrimento e dor, foi criada e mantida por nós dois. Não é a falta nem a distância do outro que dilacera o espírito, mas precisamente a presença do outro no coração que nos deixa tão solitários.
Não posso dizer que não te amo, e você não pode dizer que não me quer; não posso dizer que outra me satisfaria, porque não existe outro motivo que não seja você; creio que jamais olharia pra outra pessoa que não tivesse vontade que fosse eu te olhando.
Quando chove, escrevo seu nome na vidraça porque sei que teus lábios deixam marcas depois que o meu nome é desenhado; ouço a música que parece com você porque você disse que parece comigo; o entardecer é o momento mais bonito e mais triste do dia porque você também me ensinou isso.
Aqui em pé, na sala vazia, porque não enxergo nada ao redor a não ser uma velha pintura à óleo na parede, sei muito bem o que você diria se estivesse aqui. Quer dizer, não diria nada, pois colocaria o dedo entre os lábios pedindo silêncio para ouvir a cachoeira azul-esverdeada que se derrama.
Sei que vai chover e não vou fechar a janela; faz muito frio aqui e ainda assim vou afastar ainda mais o cortinado. Estou sem camisa, descalço, sem vontade de fazer nada, pois a solidão nos isola da ação, somente esperando que ao menos uma ideia de você chegue para me agasalhar.
Não minta pra mim, meu amor, pode deixar também a janela aberta, sinta o mesmo frio que eu sinto aqui, viva a mesma solidão que sinto agora. Sei que também gostaria que eu estivesse aí para colocá-la em meus braços e dizer coisas belas.
Nesse desespero, nessa angustiosa aflição, o que mais me dói é não saber o que fazer com essa solidão. Tirá-la de mim não posso, pois ela é também você; mandar de volta a parte que é sua e está comigo também não posso, vez que teria de ir junto com minha completa solidão.
Talvez fosse melhor deixar de sermos nós mesmos e nos transformar somente em solidão. Solidão conjunta e completa, total e absoluta, só que a minha em você e eu com a sua. E se um não quiser fazer o outro sofrer é só fingir que mandou a solidão do outro ir embora.
E quando não houver mais solidão, o que sobrar será apenas nós dois. E o amor, o amor...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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