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domingo, 2 de outubro de 2011

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 48 (Conto)

NAS MÃOS DE DEUS: UMA HISTÓRIA DE INJUSTIÇA - 48

                                          Rangel Alves da Costa*


Carminha não sabia nada sobre aquele passarinho que Paulo falava nem da sua cor, mas sentia realmente algo estranho no seu comportamento. Não era uma conduta normal que de repente alegasse uma coisa que sua irmã desconhecia totalmente. Do mesmo modo, demonstrava um aspecto físico e mental que também não havia como ser visto como habitual.
Estava nervoso demais, porém um nervosismo que não causava agitação, mas um olhar sensivelmente brilhoso que se agitava nas pálpebras, procurando rapidamente alguma coisa de cima abaixo, passando depois a um jeito sombrio de enxergar as coisas, com visão opaca, entristecida demais. Não era médica, psicóloga ou psiquiatra, mas à evidência tinha-se um desvio comportamental, alguma afetação mental ou coisa parecida.
E a irmã, tentando acalmá-lo, perguntou: “Eu vim aqui juntamente com minha amiga lhe visitar, a doutora Carmen, e você vem logo falando sobre passarinho. De onde foi que você tirou essa história de passarinho, desse tal azulão, rapaz, diga? Melhor não. Então fale de você, diga a gente como você está que depois conversaremos sobre outras coisas...”.
Nem deixou a irmã terminar e se pôs a falar, olhando pra cima e andando de um canto a outro, agitado, mexendo incessantemente as mãos:
“Diga a mãe que não venda a casa não. Aquela casa é minha e vou fazer nela um laboratório muito grande e muito importante. Você sabia, Aninha, que num laboratório a gente pode fazer o que quiser? Pois é, saiba disso que se você quiser pode também me ajudar. Você cuida de umas coisas e eu cuido de outras. Já estou aprendendo como fazer viver novamente quem já morreu e então vou trazer de volta um monte de gente que não podia ter morrido de jeito nenhum. Na sua parte do laboratório você vai fazer um jeito de dar sumiço sem ter que matar quem não presta. Acho que você vai ter mais trabalho do que eu Aninha, pois a maioria do povo que vive nesse mundo não presta e nem merecia ser chamado de humano. Todo esse povo que não presta, que não vale nada vai caber a você dar sumiço, dar fim, mas sem ter de matar de morte matada. Da minha parte só vou trazer pessoas boas e importantes. Já tô fazendo uma lista e já tenho os nomes de São Francisco de Assis, do Negrinho do Pastoreio, João Paulo II, Antonio Conselheiro, São Jorge do Dragão, Anjo Gabriel e muitos outros. Estava também pensando em trazer de volta Elvis Presley, mas todo mundo diz que ele não morreu, então deixe ele quieto. Pensei também em trazer Pedro Álvares Cabral pra ele contar direitinho essa história do descobrimento. Tô pensando ainda...”.
Jogada ao peito de Carmen, a irmã de Paulo chorava sem parar, num pranto doloroso, cheio de soluço e aflição. “O que fizeram com meu irmão Dona Carmen, o que esse lugar está fazendo com meu irmão, o que essa justiça conseguiu fazer com meu irmão. Enlouqueceu, está completamente louco, Dona Carmen”, conseguiu esboçar. “Calma minha filha, calma”, ouviu como conforto, enquanto era fortemente abraçada.
Mas sem se importar com o que conversavam, Paulo continuou com seus devaneios e agora numa embaralhamento de ideias maior ainda:
“Todo preto é branco e esbranquiçado, eu já disse, mas nem todo vermelho é lilás. Até podia ser porque é tudo cor, mas tem vez que o preto fica vermelho também. Mas não quero meu arco-íris com nenhuma dessa cor. É tudo feio demais. Quem já viu dizer que preto é cor, que branco é cor, que cinza é cor? Pra mim só é cor o marrom, porque é a cor do meu arco-íris, todo marrom outono. Outono marrom escuro, marrom, claro, marrom esverdeado, amarelado, acinzentado e marrom mesmo. E marrom também é a minha cor, meio marrom e meio violeta, e é por isso que sou bonito. E ainda dizem que hoje ele não veio aqui. Veio sim porque eu vi, e tava até mais novo do que vi outro dia. Uns dez ou mais anos mais novo. Acho até que ele não fica velho não, pois vi ele aqui do mesmo jeito que avistava quando eu era mais velho. Talvez ele seja meu parente, meu pai quem sabe, já que dizem que também sou filho de Deus...”.
“Para, para com isso agora mesmo Paulo! Para com isso pelo amor de Deus!”. Era a irmã completamente atormentada, correndo pra cima e tentando segurar-lhe as mãos. “Pare com isso Paulo, você não está doente meu irmão, eu sei que está só brincando com a gente. Diga Paulo, diga pelo amor de Deus, pela alma de nossa mãe que...”.
Assim que ouviu falar na mãe se acalmou, fixou calmamente a irmã, olhou-a bem dentro dos olhos e disse baixinho:
“Você falou em alma de nossa mãe Aninha, onde tá a alma dela Aninha, você trouxe a alma dela Aninha? Mas não precisava trazer não porque sei onde ela está. Ela tá dormindo agora escondida, bem escondida debaixo do chão onde durmo. Se você quiser eu levo você até o chão onde durmo pra você olhar a alma de nossa mãe, viu Aninha? Ela chegou aqui ontem de noite. Eu já tava dormindo quando ela chegou e bateu no ombro e disse que queria ficar comigo, não sair mais nunca do meu lado. Achei tão bonita a alma de nossa mãe que deixei ela ficar. Agora ela tá dormindo. Quer ver ela Aninha?...”.
Sem suporta mais, quase enlouquecendo também diante da situação, a mocinha deu uma tapa na cara do irmão com toda força que podia. Desesperada, achava que com essa atitude impensada iria despertá-lo para a realidade. Foi preciso Carmen se jogar entre os dois, fazer um carinho no rosto de um Paulo assustado e dizer à mocinha:
“Você não está vendo que ele está doente, muito doente e precisa de nossa ajuda, não dessa violência?”. E ela se jogou pelos cantos num pranto ainda maior. Conseguiu com que o rapaz sentasse, mas em seguida este se dirigiu até o local onde estava a irmã, pediu a ela que estirasse as pernas, deitou no chão e colocou ali a cabeça, ficando silencioso e pensativo. Carmen gesticulava para ela ficar quieta e não dizer absolutamente nada.
Em seguida chamou o agente prisional dentro da sala e perguntou baixinho se eles já haviam percebido que Paulo estava doente, talvez com algum problema mental. E este respondeu que não, pois o rapaz ficava em silêncio o tempo todo, não falava com ninguém e nem gostava de companhia perto dele. Então Carmen pediu que falasse com o diretor sobre isso, pois talvez ele já soubesse de alguma coisa, mas que no dia seguinte voltaria ali para cuidar melhor desse grave problema.
O agente avisou que a visita já estava encerrada, mas ela pediu só mais cinco minutos, vez que Paulo agora dormia sossegadamente no colo da irmã.

                                                     continua...







Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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