MEL, MELADO E MELANCOLIA: A MENINA QUE SOFRIA (Crônica)

MEL, MELADO E MELANCOLIA: A MENINA QUE SOFRIA

                                     Rangel Alves da Costa*

É um processo de existência que a ninguém é dado o direito fugir: o doce, o lambuzar e depois o acre sabor do entristecimento. Poder-se-ia dizer de outra forma: primeiro a alegria, depois a festança, e a tristeza como desfecho.

Parece inevitável que seja assim, e por isso mesmo tem gente que antecede a preocupação por estar vivenciando a felicidade, muitos são comedidos no sorrir e no festejar, e outros simplesmente trocam antecipadamente a tristeza pela alegria. E dizem que já sabem que vão ficar tristes mesmo, então é melhor nem fingir contentamento.

Todo mundo conhece tal percurso e tem de passar e sofrer suas conseqüências com mais ou menos força, maior ou menor firmeza. Os mais velhos dizem e toda experiência confirma que ninguém se alegre demais com tudo que surge ao redor, pois a aflição já está a caminho. E o pior é que é bem assim mesmo.

Até podem achar que é suposição negativa afirmar a inafastável existência de tal percurso, de tais idas e vindas. Ora, as coisas ocorrem e são sempre assim para demonstrar a fragilidade da vida, a sua inconstância, volubilidade, propensão a não mais existir ou se diluir no momento seguinte. De repente o rochedo, depois o grão de areia, e a ventania levando tudo.

Menina, menina, fique assim não, eu sempre dizia. Sabendo que tudo acontecia assim mesmo, não tinha jeito de ser diferente, então ela resolveu verdadeiramente radicalizar. Num assombro de meninice, de inocência talvez, um dia, no momento mais tristonho do entardecer, eis que resolveu esquecer toda a alegria, fugir da felicidade, não mais esboçar sequer um sorriso.

Pensei que fosse a idade interferindo na correção do seu pensamento, alguma repentina desilusão que lhe havia acometido, uma decisão impensada e talvez passageira. Pensei assim, mas pensei errado. A menina estava decidida mesmo a se fechar para o mundo, para os ventos favoráveis da vida, e perseguir os áridos caminhos do entristecimento cortante.

Pensando construir na infinita tristeza de agora a também infinita felicidade de amanhã, a linda mocinha simplesmente colocou na cabeça que era preciso sofrer, padecer o máximo durante muito tempo, porque assim seria possível alcançar a plena felicidade mais tarde e não ter medo dos reveses, das constantes mudanças entre o sorriso e a dor.

Verdade é que colocou na mente um baú de angústias e se pôs a vivenciá-las a todo instante. Imaginava cartas de adeuses que a faziam chorar, alianças amassadas que a faziam sofrer, véus e grinaldas cortadas que a faziam padecer. Tudo isso criado na mente exclusivamente para se sentir ofendida, desprezada, abandonada. E a dor, quanta dor...

Corria até a janela e o pássaro voando era motivo para tristes recordações, o horizonte repleto de nuvens escurecidas era motivo para chover pelos olhos, a chuva caindo era o maior lamento do mundo. A nuvem, a flor, a água correndo, a folha levada pela ventania, a brisa soprando macia, as folhas secas se movendo pelo chão, os canteiros, os espinhos das flores, tudo era perfeitamente coerente com o seu estado de espírito. E a dor, quanta dor...

Depois de muito tempo, um dia passei diante de sua janela e a vi chorando de soluçar, quase aos gritos, num desespero total, e perguntei o que tinha acontecido dessa vez. E ela, entrecortada pela agonia que lhe tomava a palavra, conseguiu apenas dizer que estava sofrendo demais e que agora faria tudo para ter logo a felicidade.

Estranhei demais tal resposta e até achei que era mais uma encenação em busca do sofrimento perfeito. Mas não, outra vez me enganei. A menina sofria sim, e sofria insuportavelmente com tantos tormentos acumulados e que agora rejeitavam ir embora, abandoná-la, trazer de volta a alegria que sempre acompanha a dor.

Desesperado, não sabia como ajudar a mocinha e o que me venho à mente foi dizer que ela estava pagando por ter brincado tanto com os próprios sentimentos, inventando sofrimentos num coração que naquela idade só cabia alegria. Então ela reconheceu seu erro e se sentiu arrependida demais. E isso lhe causou verdadeiramente dor.

Mas não durou muito o verdadeiro sofrer. Agora vive sorrindo na sua janela. E linda, coisa mais linda que é ela!

Poeta e cronista

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